terça-feira, 5 de abril de 2011

Capoeira & Educação Elementos para um diálogo interdisciplinar (continuação 2)


Princípios básicos para o ensino da Capoeira na Escola



Como condições fundamentais para o desenvolvimento e o ensino da capoeira como atividade normal do currículo escolar, essa modalidade deverá ser orientada, entre outros, segundo os seguintes princípios: Princípio do não-recrudescimento de esporte-luta: por esse princípio, ficaria implícita ou explicitamente vedado aos professores da rede de ensino, seja oficial ou privada, incentivar ou permitir a formação de mentalidade ou filosofia de luta, estrito senso, dentro da atividade de capoeira.


As justificativas para tal empecilho seriam, particularmente, evitar-se o surto de agressão já tão amplamente presente nos meios de comunicação, particularmente a televisão e nos festivais de vale-tudo, além dos inúmeros aspectos envolvidos nos conflitos entre facções de alunos e entre colégios em praticamente qualquer escola de nossas grandes cidades, sendo já registrado o crescimento desse tipo de violência em cidades menores do interior do País. Alguns principios poderiam ser descritos e nominados da maneira seguinte:


Princípio da liberdade expressiva - Através desse princípio seriam estimulados os aspectos de personalidade corporal, criando elementos pedagógicos capazes de auxiliar os alunos a conviverem com a diversidade, com a originalidade - que na capoeira é discursada a partir da filosofia atribuída ao Mestre Pastinha - cada um é cada um - e que, na prática não é vivenciada, pois existe uma pasteurização visível na movimentação dos capoeiristas praticamente de todas as correntes atuais, não deixando margem para a autenticidade e, o pior, imprimindo a inviabilidade das pessoas com características peculiares ou quaisquer deficiências/limitações físicas, como obesidade, estatura muito frágil, algum tipo de resquício de doença ou enfermidade com conseqüências motoras ou outras formas de seqüelas;


Princípio da desvinculação de grupos ou facções: Pode parecer óbvio que isso seja seguido e, no entanto, com o que já proliferou pelos projetos de implantação da capoeira nas escolas, já foi seguido, via de regra, outro caminho, sendo esses projetos imediatamente incorporados aos grupos aos quais pertencem os professores ou responsáveis...


A capoeira na escola se destina à prática educacional e, como tal, deverá estar distinta da atividade de natureza comercial ou desportiva, estrito-senso de filosofias específicas ou fundamentos coordenados segundo blocos de praticantes. Na escola deverá primar a capoeira como esporte educacional e, como tal, não deverá haver conexões às competições e rivalidades existentes entre os grupos, independentemente de quais linhas forem, pois assim se tornarão comprometidas suas bases com as mesmas do grupo original dos professores, e serão, enfim, partes desse grupo, sem independência filosófica e pedagógica portanto!


Principio da preservação e estimulação do caráter crítico-reflexivo: A capoeira possui uma dimensão de interpretação crítico-política, que a torna um componente imprescindível para a capacidade de formular reflexões históricas, contextualizadas com a nossa própria identidade cultural. Assim sendo, sabendo-se que esses processos críticos são de grande impacto na formulação e construção do caráter das pessoas, a capoeira, enquanto agente de ampliação da consciência e da formação de uma base crítica aos seus adeptos, particularmente quando em fase de formação de sua consciência sócio-cultural, como é o caso das crianças e dos adolescentes, deverá ter como pilar a possibilidade de promover e despertar tais elementos.



Adequação Técnica do aprendizado de Capoeira na Escola


Amigos, o corpo é um grande sistema de razão, por detrás de nossos pensamentos acha-se o Sr. poderoso, um sábio desconhecido...

Mestre Pastinha


As questões relativas aos fundamentos técnicos na capoeira são temas muito escassamente tocados, a não ser superficialmente, dentro de um contexto sempre mais amplo e onde muitos outros de seus aspectos, tanto teóricos, quanto filosóficos ou práticos são abordados.


Assim, nos estudos produzidos para e pela capoeira, esse substantivo de origem grega , a palavra técnico encontra-se dentro de uma limitada produção conceitual e teórica, embora seja muito naturalmente inserida dentro do debate capoeirístico, mesmo que sujeita a uma certa imprecisão, ambigüidade ou a uma gama muito ampla de abordagens, muitas vezes discordantes, como é natural no caminho de todos os estudos e pesquisas emergentes, dado que é possível se encontrar um sem número de possibilidades de sua aplicação, independentemente da corrente ideológica ou teórico-conceitual em que esteja inserida a discussão.


O uso do conceito técnico, ao que se pode verificar em autores estudiosos da corporalidade, está associado normalmente ao processo de aperfeiçoamento para a obtenção de melhores resultados e desempenhos, previsto como um pressuposto, ou planejado racionalmente pelos praticantes de atividades físicas e motoras, tendo em conta a superação de concorrentes ou de dificuldades intrínsecas ao labor desportivo ou às atividades físicas, genericamente falando.


Assim, portanto, nos parece fundamental, restringir primeiramente o conceito, definindo que sua aplicação se aplique estrito senso a um objetivo que dialogue com a racionalidade funcional e com alguns outros insights comumente presentes na capoeira, não tendo a pretensão de abranger a totalidade de sua aplicação, dada a abrangência e a própria diversidade dos enfoques possíveis, quando tratamos da capoeira.


Além disso, poderemos ainda, à guisa de uma exemplificação dos aspectos eminentemente práticos das técnicas encontradas na capoeira e, também de maneira pontual e ilustrativa, repassar alguns aspectos históricos discutidos ou percebidos na análise evolutiva do conhecimento e dos princípios técnicos da capoeira em sua trajetória emancipatória enquanto campo de conhecimento autônomo.


Fragmentos Teóricos da questão Técnica


Na nossa busca por elementos conceituais aplicáveis, mesmo que com alguma margem de arbitrariedade, encontramos, por exemplo, a definição de técnica, como sendo “specific detailed method of executing an action of the body” (Canhan, p.449), que reduz o conceito a uma aplicação especificamente motora, naturalmente respaldada por uma objetividade promovida e racionalidade para o desempenho olímpico, onde cada competidor tem que obter um desempenho minucioso, por mais ínfima que possa parecer a diferença em relação aos outros competidores.


Trazido para a capoeira, esse princípio não seria tão ampla ou imediatamente válido e aplicável, considerando a assumida identidade holística que encontramos valorizado na expectativa de êxito presente na capoeira, ou enquanto definição de proposta ou medida de sucesso nela latentes, embora pudéssemos reconhecer a validade de tal diretriz como balizadora de um potencial qualificador do desempenho capoeirístico, talvez ainda não atingido ou visado no estágio atual de refinamento teórico-prático da capoeira.


Num outro exemplo, encontramos a afirmação: “é um esporte que margeia a arte; a busca da performance, de controle neuromuscular e senso rítmico, o equilíbrio total do corpo e uma postura correta e saliente são as principais características dos que praticam a ginástica olímpica” , donde poderíamos extrair alguns fragmentos e, pelo menos em parte, tomar o conceito e aplicá-lo à capoeira.


Senão, vejamos: A capoeira indiscutivelmente margeia a arte. Ou melhor, a capoeira é uma arte de onde derivou – pelo livre arbítrio de sua prática e recriação histórica (Zulu, 1995), sua desportivização e, portanto, seu acervo conceitual e técnico.


A busca da performance tendo em conta premissas estéticas estão hoje associadas às praxes capoeiranas, o que, juntamente com o controle neuromuscular e o senso rítmico formam um conjunto de premissas e de expectativas de padrões técnicos e expressivos de seu desempenho. Existem dificuldades para a definição de conceitos como o equilíbrio total do corpo, o qual, no caso da capoeira, nos pareceria mais adequado se dito como equilíbrio circunstancial, ou seja, para o capoeirista o equilíbrio tem uma destinação operativa e vital como parte de sua técnica dinâmica, tendo em conta sua relação dialética com outro parceiro/adversário, que irá explorar seu domínio técnico corporal sobre esse mesmo equilíbrio.


O equilíbrio e o espaço enquanto técnicas e fundamentos de suporte ao desempenho capoeirístico, trazem a saga fundamental da competição capoeirística, ainda que lúdica, pois mesmo os mais restritivos divergentes dos grupos de práticas capoeirísticas de algum modo dialogam em torno dessa premissa, desse objetivo, dessa competição de amigos, que seja. Ou seja, mesmo totalmente lúdico, o jogo de capoeira traz a disputa pelo espaço e pelo equilíbrio como foco da pontuação simbólica, entre seus contendores.


A questão da postura, também, oferece algumas distinções no que tange a capoeira, mesmo registrando que segundo algumas correntes ou vertentes dentro dela existam algo normalmente denominado de postura correta, isso contraria um dos fundamentos basilares da capoeira que é a criatividade!


Ou seja, o fato de se definir algo como correto pressupõe a existência de seu reverso, e, portanto, de algo que seria a priori errado, equivocado ou deficiente e nisso residiria um ponto de tensão entre correntes que são favoráveis à espontaneidade expressiva em confronto com idéias calcadas em princípios técnicos padronizadores do desempenho capoeirístico.


É fato, porém, que na capoeira a discussão da postura abrange a ginga e, nesse caso, a questão da eficiência técnica tomaria outra dimensão, uma vez que deixaria a esfera estética e adentraria o terreno competitivo, ou pelo menos mais plausível, por envolver a competição entre adversários, onde uma ginga passa a ser comparável com outra, caracterizando-se como o mais elementar fragmento da técnica capoeirística: o jogo da capoeira e, com isso, a comparável capacidade de cada um!


As questões ditas técnicas na capoeira passam, para permitir um diálogo com a sua veia desportiva, ainda em sua maior parte por ser definida e estudada, frente aos conceitos mais atuais de dinâmica autonomizada pelo diálogo que a capoeira propicia, seja pela parceria, típica de algumas modalidades de competições, seja através da busca do melhor desempenho, julgados ambos os modelos por meritórios jurados, mestres antigos e considerados como ícones de credibilidade de competência...


Os modelos de competições de capoeira foram escritos a partir das experiências dos JEB’s e trazem até hoje as mesmas características, a busca do maior e melhor fundamento ao lado do melhor resultado global, nisso caracterizando-se o ritmo, a beleza da movimentação, a maior capacidade de definir o jogo, no que já foi entendido como modo de pontuação objetiva, mas sempre se buscando atender aos requisitos da melhor tradição.


Finalizando quanto aos objetivos de uma pequena análise da capoeira enquanto questão técnica e competitiva, cabe registrar a importante contribuição que o Dr. Cláudio Queiroz, na capoeira conhecido como Mestre Cláudio Danadinho, PHD e titular da cadeira de arquitetura da Universidade de Brasília, sempre destaca em seus debates com as questões da capoeira: a capoeira tem o sentido da brasilidade em sua filosofia de existir e competir.


Assim como o jogo de frescobol que acontece nas praias brasileiras, ninguém precisa vencer; o tempo de duração do jogo não precisa ser definido ou cronometrado; a maioria das vezes não é definida, as regras são normalmente implícitas e raramente discutidas; além disso não existe a marcação de pontos no sentido específico e comumente adotado em outras modalidades...


A capoeira está mais preocupada com a felicidade dos competidores, na verdade parceiros e o resultado do jogo é sempre colocado em segundo plano, não sendo do interesse da maior parte das comunidades capoeirísticas, salvo a capoeira federada, pretensamente candidata aos espaços de esportes de auto-rendimento. Sonho de muitos defensores dessa bandeira, visando a sua escalada no podium dos esportes olímpicos oficiais algum dia.


(continua brevemente...)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Os Sete Desafios da Capoeira...




O que pode vir a ser um critério justo e inquestionável para que alguém possa ser considerado um Mestre de Capoeira?
Essa pergunta surge em razão de um interessante estado de coisas que vivemos dentro da capoeira.
Tal pergunta é feita pela maioria dos próprios capoeiristas, que vive criticando que A não deveria ser Mestre, ou que B se tornou Mestre Varig – atravessou o Atlântico e se tornou Mestre do outro lado...
Não resta dúvidas, pois, que isso se torna um problema mais complexo ainda, em função da expansão geográfica e do imenso contingente de praticantes de capoeira espalhados pelos quatro cantos do mundo, cada um seguindo linhagens e filosofias independentes.
Hoje a capoeira envolve também uma questão de mercado de trabalho e de espaço comercial, o que torna o título de Mestre algo que significa agregação de valor à oferta do serviço de ensino e de outras formas comerciais da capoeira.
Muito se engana quem, por inocência ou interesse acreditar que pode definir um critério de julgamento único qualquer e com isso resolver esse impasse, uma vez que a capoeira tem raízes que não estão sob o controle de nenhuma pessoa ou entidade isoladamente, por mais competente e bem intencionada que seja a pessoa ou a Entidade.
Alguns capoeiristas, ávidos em se tornarem reconhecidos por seus próprios méritos e por seu próprio nome, nome de Mestre é claro, se afastam sem maiores explicações de seus grupos originais, buscando afirmar sua personalidade sem o controle de outras pessoas ou do seu Mestre original.
Temos aí, portanto, o problema que vamos tentar discutir neste artigo.

Raízes culturais da Capoeira
Originalmente a capoeira é uma cultura regional, o que inclusive foi apropriado genialmente pelo Mestre Bimba, quando criou o seu Centro de cultura Física e Regional, o que deu origem ao nome Capoeira Regional.
Ela é o fruto de um processo social, forjado numa ética clara e simples, através da qual os Mestres eram simplesmente aclamados pela comunidade, como parte da evolução da expressividade de seu desempenho, seu trabalho, seus alunos.
Isso acontecia inicialmente dentro da pequena comunidade urbana, uma vez que a sofisticação da capoeira enquanto prática organizada e reprodutiva, tal qual a conhecemos hoje, é um processo evolutivo urbano.
Os capoeiristas que surgiam espontaneamente, praticantes de outiva, que iam reproduzindo o conhecimento que recebiam do convívio com outros capoeiristas e principalmente com seus próprios Mestres, se tornavam conhecidos pelos vizinhos da mesma rua, dos quarteirões próximos e esquinas, áreas próximas aos seus locais de prática, normalmente os largos e as praças.
Desses bairros e de regiões das cidades ia se espalhando o reconhecimento e a notoriedade daquele Mestre, que passava a ter esse título naturalmente, enquanto ia desenvolvendo-se no jogo e no trabalho dentro da capoeira.
Vale observar que raramente esse tipo de atividade era remunerada, o que tornava o título de Mestre desvinculado completamente da idéia de poder econômico ou de mercado de alunos.
Era apenas o reconhecimento que ia ocorrendo, na medida em que ele ia se destacando no jogo e sendo cada vez mais reconhecido.
E ensinava. Por isso o capoeirista passava a ser considerado o Mestre daquele local.
Alguns capoeiristas, bem nos idos da primeira metade do Século XX, conquistaram respeito ou temor de uma cidade inteira, como foi o caso do memorável Besouro Mangangá, de Santo Amaro da Purificação.
Isso ocorreu também no Rio de Janeiro, onde se notabilizaram figuras como Manduca da Praia, Madame Satã, e muitos outros.
Em Recife temos a história de Nascimento Grande, considerado um Mestre na arte da capoeiragem por aquelas bandas.
Enfim, a comunidade aclamava seus capoeiristas, tornando-os Mestres.
Eles eram Mestres primeiramente de uma comunidade, depois se tornavam conhecidos numa região das grandes cidades, particularmente Salvador, Recife e Rio de Janeiro.
Mestres, artistas populares, nascidos e erguidos pelo próprio povo, como também eram chamados os Mestres-artesãos do barro, da madeira, dos grupos de ciranda ou de Folia de Reis, Maracatu, Marujada, etc.
Mestres do Povo, sem sobrenome ou outros títulos pretensiosos.
Quando alguém sugeria: procura lá o Mestre Waldemar que ele tem berimbau muito bom! Era uma informação cristalina, um fato consumado. Uma comunicação precisa e clara.
Não precisava esclarecer coisas do tipo: ele é Mestre de que? De que estilo? Quem deu a ele esse título? Etc. A condição de Mestre era tão natural como um pré-nome qualquer. Fazia parte do nome e dos atributos do seu portador. E todo mundo sabia o porquê. Ou então não carecia saber.
O mundo se modificou. A capoeira o seguiu.
Da rua para o bairro, do bairro para a cidade. Da cidade para a região. Da região para o Estado. Do Estado para o País. Do País para o mundo.
Mesmo tendo evoluído de Aldeia Local para uma Aldeia Global, a capoeira autêntica busca levar suas características originais e se reproduzir dentro dos seus princípios e raízes, independentemente do local onde está sendo praticada, em que cultura distante, em que língua, em que povo...
A capoeira leva a mensagem de nossa comunidade mais interior para o mundo. Talvez se ela perder essas características deixe mesmo de ser capoeira!!
O que forjou a capoeira urbana e que ganhou o mundo, foi a mestria cunhada dentro da comunidade...
Os novos tempos impõem uma sofisticação progressiva, resultado de uma institucionalização que assimila o espírito capitalista e o implanta dentro das escolas (filosoficamente falando) de capoeira.
E não cabe aqui julgar o mérito ou o direito disso de quem quer que seja. Não é esse o interesse desse artigo.
A capoeira tem demonstrado que pode ser uma instituição digna, da mesma forma que qualquer outra, podendo ainda ser lucrativa e economicamente viável, podendo se constituir num meio de vida de muita gente.
Ótimo para quem lucrar com isso e melhor ainda para a capoeira, no que ela incorporar de profissionalismo e de novos instrumentos para a sua auto-organização e reprodução histórica.
Se a capoeira percorreu o caminho que fez até agora, existiu um fato imprescindível nisso: sua reificação obstinada feita pelo Mestre Bimba.
O Sr. Manoel dos Reis Machado, em sua visionária vanguarda, graças a Deus sua gloriosa e bem-aventurada empreitada, deu o passo fundamental para que a instituição capoeira surgisse.
O trabalho dele, foi antes de tudo sistematizante, reformulante, convertendo a capoeira numa eficiência planejada, resgatando-a de uma prática sem método, convertendo-a num processo de aprendizado.
A importância dele é reconhecida até mesmo pelo mais fiel escudeiro da própria capoeira angola, a raiz, a mãe, a essência da capoeira, ainda que alguns não lhe poupem críticas também, pelos inevitáveis efeitos colaterais de seu trabalho.
De algum modo a capoeira angola foi também beneficiada pelos espaços abertos pela capoeira regional do Mestre Bimba, sendo quase impossível a qualquer capoeira, de qualquer corrente, ficar indiferente ao que Mestre Bimba fez.

Os Sete Desafios Elementares
A seguir, elegemos alguns requisitos básicos, dentro da ética da capoeira, em cima dos quais iremos tentar fundar uma proposta de definição aceitável de critérios que possam ser utilizados para que alguém possa ser considerado um Mestre de capoeira.
Tais critérios podem ser considerados tanto hoje, como historicamente o foram, utilizados como méritos associados ao título de Mestre de capoeira.
São eles:
1. A família
2. A Camaradagem
3. A arte
4. A prosperidade
5. A Comunidade
6. Os Alunos
7. A Capoeira

Desafio n. 1 - A Família
A família sempre foi uma instituição basilar na vida do homem.
No caso da capoeira, a família sempre foi o primeiro desafio dos seus praticantes.
Ou seja, ser capoeirista, se mantendo em harmonia com a família, sem conflitos, sem permitir o distanciamento do convívio familiar.
Não permitindo que filhos e/ou esposas, sejam simplesmente abandonados em virtude dos compromissos assumidos com a capoeira.
Existem diversas músicas de capoeira que falam desse conflito:
Vou dizer minha mulher, Paraná, capoeira me venceu...!

Também é fato que a existência de uma família desequilibrada impacta totalmente a vida do capoeirista, como diz Mestre Brasília em sua música: se tu tens problema em casa, não vem resolver aqui...!
Felizmente, após todos esses anos e conquistas da capoeira, a predominância da relação da família com os capoeiristas é de Amor, estímulo e apoio.
Recentemente, testemunhamos o emocionante depoimento de Dona %%, mãe da Mestra Edna Regina, formada pelo Mestre Tabosa, onde ela contou a verdadeira saga pela qual passou, para apoiar sua filha a treinar capoeira.
Suas dificuldades foram inúmeras, desde problemas financeiros para custear os treinamentos, até ameaça de ser demitida, por estar envolvida com uma prática considerada ainda marginalizada, mesmo nos anos setenta, no brasil, na Capital Federal.
Foi um depoimento emocionante de amor e dedicação da família a uma praticante, sem o qual jamais teríamos hoje uma pessoa com o sucesso e o trabalho dentro da capoeira no porte em que temos a Mestra Edna, hoje ligada ao Mestre Camisa, tornou-se uma pessoa que conquistou os EUA e o mundo.
Também a responsabilidade para com a família, como um ponto fiel da balança do equilíbrio entre o fascinante mundo da roda de capoeira e a relação familiar.
O Mestre de capoeira, tem um outro papel fundamental, aquele Mestre do destino dos seus filhos e da sua família.
Esse é um desafio que pode lhe custar qualquer outro sucesso tornar-se inexpressivo: não adianta ser uma pessoa bem sucedida na capoeira e ser um pai ou uma mãe fracassado perante os filhos, por abandoná-los a própria sorte ou por não ter competência para cuidar deles e orientá-los.
Desafio n. 2 - A Camaradagem
Mesmo que alguém possa se fazer aceitar nas rodas da capoeiragem pela imposição da força ou de outros argumentos apelativos, quem não for aceito pelos capoeiristas, como camarado como diziam os velhos Mestres, tem vida curta dentro das vorta do mundo...
O mundo subjetivo da capoeira, sua linguagem, seus segredos, seus enredos, suas estórias, bem como sua história, só é acessível a quem for aceito pela comunidade.
Só tem acesso à roda da capoeiragem, quem conseguir ser inserido na roda da camaradagem...
Mesmo que o capoeirista, às vezes imponente demais para perceber o que está acontecendo a sua volta, não entenda isso muito cedo, a capoeiragem tem um código de ética próprio.
Alguns desses códigos vêm sendo deliberadamente desrespeitados, como é o caso do assédio para atrair alunos de outros Mestres e grupos. Normalmente o que ocorre é que as mesmas pessoas que tem por hábito convidar alunos de outros grupos para os seus, fiquem muito zangados quando acontece a mesma coisa com os seus...
Ou seja, a ética está clara, mas muitos acreditam que ela sirva apenas numa mão: faça o que eu digo, mas não olhe o que eu faço!
Isso serve apenas para ilustrar as contradições que impedem muitas vezes o capoeirista de ser aceito plenamente no convívio.
Exemplo positivo, para contrabalançar a visão do problema, é pensarmos num desses Mestres que são conhecidos pela maneira agradável com que se relaciona com a comunidade, são pessoas sempre bem vindas às rodas da capoeiragem...
Poderíamos lembrar muitas dessas pessoas, mas é sempre arriscado sermos injustos e deixar Mestres importantes de fora, mas quem não ouviu falar ou se lembra da grande personalidade de Mestre Canjiquinha, pessoa de um carisma impressionante!
Onde ele chegava, estava criada uma atmosfera agradável e sempre cheia de alegria!
No disco Músicas e Ritmos de capoeira, tivemos oportunidade de ver o seguinte verso, dedicado a Mestre Canjiquinha:
Enfim, sem se tornar aceito dentro da comunidade capoeiristica, ninguém se torna um capoeirista completo.
Mais do que isso. Ser aceito dentro dessa roda, requer uma ética e uma aceitação que ninguém pode pagar por ela... Tem que merecer.
Desafio n. 3 - A Arte
A capoeira é antes de tudo uma arte.
Isso é um fato.
A arte na capoeira se traduz de muitas formas;
A arte de construir Instrumentos, ou como se pode extrair da Umbanda, sabe-se que Ogun, o Orixá da Guerra, é ele mesmo quem forja os seus instrumentos e sua espada...
Ogun é uma das Entidades de grande força dentro da capoeira, pelo seu lado de guerra, embora tantos outros Orixás também tenham sua importância no terreno da capoeira.
O capoeirista, além de confeccionar seus próprios instrumentos, deve saber tocar, afinar. Enfim, deve dominar os seus instrumentos, ferramentas básicas da arte da capoeira. O capoeirista é um artista. Precisa realizar sua alma de artista.
Tem também a Arte da expressão, o teatro, o jogo cênico do corpo, elemento que povoa a criatividade e a capoeira dos grandes capoeiristas de presente e do passado.
A música. Ela possui um efeito transcendental para o capoeirista. Ele precisa estabelecer uma relação de amor com a música. Senão, poderá ser guerreiro, atleta, desportista, etc., mas não será um artista completo.
O Mestre da roda de capoeira é um maestro do grupo, com a sua afinação e sentimento ele embala as rodas de que participa e, mais ainda, dá uma vida especial às rodas que ele próprio promove.
Dominar os rituais de roda é uma arte que só os grandes Mestres atingem.
Os Mestres de capoeira, para atingirem sua plenitude de reconhecimento, crescimento e realização precisam conhecer e passar para seus discípulos, para que a Arte da capoeira se perpetue!
Indo mais além na questão da arte, vale lembrar que o capoeirista completo consegue se desenvolver na composição de suas próprias músicas e letras de capoeira.
O capoeirista tem uma outra vocação importante que precisa dar vazão em seu crescimento e formação: a dança! O capoeirista deve dançar espontaneamente!
A capoeira, finalmente, pode se tornar uma eficiente arte-marcial. Essa arte foi por milhares de anos a forma através da qual o homem forjou a sua superioridade, seja perante outros homens, quanto perante as suas angustias e fraquezas. Isso é a arte-marcial.
A capoeira tem um componente marcial que pode ser explorado e se tornar um importante argumento para quaisquer dessas questões.
Desafio n. 4 - Produção dentro do trabalho de capoeira
Todo e qualquer trabalho produz frutos.
A capoeira de um Mestre é um trabalho como outro qualquer.
O que representa essa produção?
Representa cada dia de aula que ele dá, cumulativamente, criando uma massa cada vez maior de conhecimento em seus alunos.
É representada pelo seu próprio conhecimento que vai sendo acumulado, criando um skill técnico cada vez mais elaborado, combinando informações que ele tem na mente, obtidas de seu aprendizado e combinadas com suas experiências cotidianas no bojo de seu labor no ensino e na sua própria prática de capoeira.
Desse seu conhecimento, aplicado em seu trabalho de ensino, ele deriva para um novo projeto, seja uma nova turma, um novo horário, um novo local de ensino e divulgação da capoeira; um evento que pretende realizar no final do seMestre ou do ano; uma festa de formatura; um batizado; uma competição interna; uma viagem com alguns alunos para participar de um evento em outra cidade; um ensaio de uma nova coreografia para ser apresentada na festa da Academia ou da escola, ou mesmo de uma data comemorativa da cidade...
Enfim, essa produção, qualquer que seja ela é o resultado que um Mestre de capoeira vai pontuando em sua caminhada pelo caminho do berimbau...
Alguns têm mais sorte ou mesmo um perfil mais empreendedor, naturalmente disponível em sua pessoa e, porisso, tem mais facilidade de ir produzindo eventos, festas, apresentações, competições, festivais, batizados, etc..
Outros são menos afortunados e tem que batalhar muito para conseguir o mínimo de realização. O mérito dos dois deveria ter o mesmo valor dentro da capoeira.
Por mais modesto que seja o trabalho de um Mestre, e isso é um fato nos Mestres mais enraizados em culturas e populações regionais dos Estados mais pobres do brasil, eles tem méritos reconhecidos em seus trabalhos: fazem rodas; fazem batizados e festas; convidam os camaradas, reúnem os capoeiristas em momentos de confraternização e energia, na qual a capoeira como um todo vai se apropriando e crescendo com esse movimento.
Também deve ser contabilizado como parte da produção dos Mestres de capoeira, os discos, os livros, palestras, conferências, encontros, reuniões, filmes, peças de teatro, apresentações, etc.
Isso tudo é parte do mérito da produção de um Mestre de capoeira.
Infelizmente, alguém que nada produza para a capoeira não será um Mestre legítimo dela. Ou será um Mestre incompleto.

Desafio n. 5 - Aceitação e respeito na Comunidade
A afirmação de um Mestre de capoeira precisa do reconhecimento social.
Se no passado o capoeirista pode ter sido marginalizado pela sociedade, isso já passou. Se não acabou totalmente, é bem provável que hoje esteja ocorrendo de forma bem sutil, ou em situações isoladas, muito especiais, particularmente por grupos que se tornam de algum modo agressivos e violentos, distribuindo toda uma sorte de visão negativa da capoeira, pois algumas vezes eles fazem questão de aparecer vestindo suas camisetas identificando GRUPO XPTO...! Deixando claro que estão dispostos a comprar qualquer briga que surja... e se não surgir nada, para não perder a viagem, criam uma.
Pelo lado positivo, os Mestres de capoeira se tornam úteis à sociedade, seja no brasil ou em qualquer país do planeta.
Isso ocorre pelo fato de que a capoeira pode transformar a vida das pessoas, particularmente para o lado do bom caminho, pois são inúmeros os projetos que se destinam a utilidade publica, envolvendo crianças de rua, ou pessoas de qualquer idade com risco social, grupos especiais como excepcionais, doentes mentais, pessoas de terceira idade, enfim, a capoeira tem sido utilizada num sem numero de projetos do mais alto interesse social.
As pessoas por trás desses projetos são Mestres de capoeira que se tornam admirados pela comunidade, respeitados por todos, acolhidos junto aos movimentos sociais das comunidades onde atuam, se destacando como pessoas de alto nível de credibilidade.
Todo movimento de capoeira deveria ter uma utilidade social para alguém.
Assim, todo Mestre de capoeira teria o reconhecimento social, que é o quinto grande desafio de nossa lista básica.
O que seria um Mestre de capoeira sem esse reconhecimento?
Que tipo de trabalho ou que tipo de formação seria dada a alunos que fossem considerados inimigos públicos? Infelizmente isso existe também.
Felizmente essa linha de trabalho que prega o atrito com a sociedade está reduzida a um número insignificante de pessoas, cada vez mais isoladas em sua vã filosofia e na sua pobre visão de mundo.

Desafio n. 6 - Formação de Alunos
Se existe uma coisa que caracteriza um Mestre de capoeira, são seus alunos. Alguém questionaria isso?
Os novos tempos têm produzido alguns fenômenos dentro do mercado da capoeira, que já tive oportunidade de comentar antes no decorrer deste texto, onde pessoas, Mestres de capoeira conhecidos, assediam alunos de outros Mestres, oferecendo seu nome, seu grupo, seu apoio e toda uma série de promessas, somadas à insatisfação que muitas vezes o capoeirista está vivendo, que isso torna-o uma presa relativamente fácil.
Nossa meta neste artigo não é discutir especificamente essa questão, mas isso tem a ver com o mérito que o Mestre deve ter com relação aos seus alunos.
Pode alguém dizer que foi o Mestre de um aluno que já chegou para treinar com ele formado?
Pode existir um Mestre de capoeira sem aluno?
Temos conhecimento de alguns Mestres que se recusam a ensinar o que sabem para seus alunos, por não quererem se expor a serem mais tarde abandonados e, junto com a saída de seus alunos, seus conhecimentos serem levados para engrossar o nome de outros grupos e outros Mestres.
Teriam eles suas razões para tal procedimento?
Ocultar o conhecimento que tem chega a ser um recurso para proteger a sabedoria da capoeira?
Será que alguns alunos chegam a migrar para outros grupos pela falta de perspectiva de um aprendizado mais profundo de capoeira onde estão?
Enfim, no nosso problema central, é um desafio para o Mestre ensinar seus alunos até que esses possam se tornar também professores e Mestres, para formarem outros professores e Mestres, para seguirem a linhagem da sabedoria da capoeira que aprenderam.
A chegada da maturidade dos alunos de capoeira criam uma situação de difícil administração para a maioria dos Mestres de capoeira.
Alguns sentem que não mais tem o controle sobre seus alunos e porisso criam zonas de atritos e de desequilíbrio na relação com eles.
Outros querem que o aluno busque uma autonomia para produzir para o grupo, o que nem sempre ele está preparado ou tem interesse em fazer e com isso também se desencadeia desarmonias e desajustes entre Mestre e aluno.
Certo é que levar um aluno do inicio ao fim de sua formação é um mérito de muito poucos Mestres. A eles a honraria de serem Mestres de capoeira que formaram outros Mestres de capoeira e com isso se tornou mais do que Mestre, se tornou um Mestre de outro Mestre.

Desafio n. 7 - A Alma da Capoeira
Na filosofia yogue a sétima esfera do ser humano é o espírito (quem tiver interesse em se aprofundar leia As Sete Lições de Filosofia Iogue, de Ramacharaka).
Na capoeira o estágio supremo do crescimento de um capoeirista seria ter em si a Alma da capoeira.
A Alma da capoeira não se traduz em qualquer palavra, talvez em muitas delas, talvez todas elas sejam necessárias e talvez nenhuma possa realmente explicá-la.
A alma existe como a essência imaterial das coisas que se incorpora aos obstinados que se entregam profundamente a sua arte, até chegarem ao ponto de se confundirem com aquela arte.
Se lembrarmos Chopin veremos que ele nasceu, sentou-se na frente de um piano e consumiu toda sua vida ali, saindo de lá direto para o cemitério, sua alma e a sua música se tornaram uma coisa única.
Isso também ocorre com a capoeira.
A Alma da capoeira está presente na sombra de um Mestre de capoeira, junto com ele. Dentro dele.
A capoeira transforma o interior de uma pessoa a ponto de fazê-la ser a capoeira ela mesma.
O Mestre Atenilo, o Relâmpago da capoeira regional como ficou conhecido, diz sobre Mestre Bimba que ele era a própria capoeira, no livro-depoimento com o seu nome produzido por Mestre Itapoan.
Essa expressão caracteriza bem o que estamos tentando passar neste artigo: o capoeirista que atinge a mestria da capoeira torna-se a capoeira! Não é possível mais separá-lo dela...
O verdadeiro Mestre de capoeira precisa ter sua Alma fincada na energia de capoeira.
Alguém que ainda não atingiu isso será Mestre de capoeira um dia. Ainda não é.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A capoeira, o poder público e o fantasma dos maus capoeiras...



A cada nova experiência que vivenciamos em nossas tratativas de interface com o poder público, vemos sempre a capoeira ser testada em sua mais emotiva visão: a de se fazer representar perante tais poderes e não buscar evidenciar suas limitações, reais ou imaginárias, enquanto comunidade organizada que é um pressuposto nesse tipo de relação.
Essas inúmeras vezes em que vimos esse diálogo acontecer, ficou patente que temos sempre um problema que vagueia o subconsciente coletivo dos capoeiristas, que é a existência constante de uma referência e da busca da punição, controle ou simples extirpação desse contexto dos maus capoeiristas...
Esses personagens consomem uma energia incrível de nossos esforços na busca de dialogar com os órgãos públicos e representam o nosso mais inevitável e lamentável subconsciente coletivo, que é para onde sempre enviamos ou resgatamos esse personagem, produto principalmente de nossas limitações enquanto organização ou instituição capoeiristica.
É óbvio que em qualquer grupo humano existem os bons e os maus profissionais.
Não se trata de negar isso.
O que temos que perceber é o quanto nos custa essa luta constante com eles, aliás, sempre ausentes nesses debates... por razões óbvias também sabemos porque eles estão sempre ausentes:
 primeiramente porque, caso estejam presentes irão, obviamente, se identificar como parte dos que são do bem...
 também por ser muito difícil fazer uma acusação frontal, do tipo: você é do grupo dos maus capoeiras... obviamente se isso acontecer iremos ter um outro tipo complicado de situação, que será de um desequilibrado bate-boca entre os participantes de qualquer reunião;
 devemos e precisamos perceber que enquanto não houver um esclarecimento público a respeito da ética capoeiristica, ficará sempre muito difícil decidir quais serão os bons e os maus... por exemplo, os capoeiristas mais tradicionais e conseqüentemente menos violentos ou agressivos em seus estilos de jogo e didática, são hoje taxados de sarobeiros, que na verdade é algo de significado impreciso, provavelmente servindo antes para discriminar estilos e condutas menos performáticas;
 se detivéssemos a clareza suficiente para identificar quais seriam os maus capoeiras, estaríamos aí diante de um outro dilema: quais os elementos para se fazer um julgamento deles...? ou seja, se estiverem incorrendo em alguma forma de crime, como assédio sexual, exploração sexual de menores, lesões corporais, etc., eles já estarão devidamente enquadrados como criminosos, passivos de punição pela legislação penal... a comunidade da capoeira não tem que substituir esses códigos e essas leis para resolver esses problemas, obviamente isso seria uma inocente tentativa de fazer justiça com as próprias mãos;
 supondo que se chegue a conclusão de que se trata, enfim, de um mau capoeirista, segundo critérios mais clássicos de se avaliar as condutas tradicionais da capoeira, como questões de auto-graduação; sistemas de treinamento; tratamento agressivo com alunos ou capoeiristas de outros grupos (diversas formas de incentivo à xenofobia relativamente comum dentro dos grupos de capoeira). formas presunçosas de se auto proclamar detentor deste ou daquele mérito; uso indevido de conhecimentos e patentes de movimentos, toques, músicas, técnicas, etc.; ou mesmo o incitamento de alunos ao estilo de jogo mais agressivo ou violento... quem, na representatividade da capoeira irá julgar esses casos?? Segundo que critérios?? Quem pode se dizer detentor dessa verdade e dessa norma??
 Em caso de admitirmos que não podemos julgar esses eventos dentro da capoeira, por que levar esses dilemas para um foro envolvendo terceiros? no caso o poder público nada pode fazer quando nós mesmos temos dúvidas sobre o que é legitimo e o que não é.
 Há um outro aspecto que fica muito patente nessas discussões que é quanto ao desgaste que as reuniões sofrem por causa desse tema... é incrível como os capoeiristas deixam que esses fantasmas roubem nossa energia quando estamos diante de uma oportunidade inédita (como nos fóruns do pró-capoeira, nos congressos realizados pelo Ministério do Esporte, entre outros). Vale nesse caso a sabedoria de grandes mestres que sempre disseram: não fale do diabo porque ele aparece... em outras palavras nós os valorizamos quando permitimos que ocupem nosso tempo dentro de tão raras oportunidades.
Fica claro para nossos interlocutores do poder público que a capoeira tem um grande problema por causa de seus maus representantes e, no entanto, sabemos que isso representa uma minoria que sequer deveria ser tão considerada, senão vejamos:
o Sabemos que a estatística de problemas graves envolvendo a capoeira é muito menor do que muitos outros esportes;
o Sabemos que mesmo os ditos maus são tantas vezes responsáveis por grandes projetos dentro da capoeira e tantas vezes produzem grandes atletas, os quais acabam por perceber que estão no lugar errado e buscam outros espaços para seu aprendizado e crescimento, ou mudam de atitude por seus próprios critérios;
o Sabemos ainda que estamos hoje diante de uma série de estímulos do mercado de lutas, que levam muitos mestres e professores a buscarem a marcialidade da capoeira como seu principal interesse... muitas vezes exclusivamente por uma questão de sobrevivência econômica e financeira... quem pode, de sã consciência, punir por isso ou condená-los? Temos que ter em conta a liberdade de escolha de estilo e de prioridade de foco de cada um;
o Quanto aos sistemas de graduação que possam parecer a alguns sem mérito ou sem sentido, não cabe a nenhum de nós questionar, a menos que seja dentro de fóruns íntimos da própria capoeira, onde esse assunto possa ser discutido, de preferência dentro da mesma entidade a que pertençam os atores da discussão, sempre lembrando que isso é uma das mais históricas polêmicas dentro da capoeira e que ninguém pode se considerar o detentor da verdade ou da razão inquestionável, pois se trata de um tema delicado e impreciso, já conhecido de todos nós, cuja solução é, além de muito difícil, um eterno pomo da discórdia entre pessoas que muitas vezes partilham visões e interesses comuns, imagine num sentido mais amplo como cheguei a ver durante uma reunião do Pró-Capoeira do Ministério da Cultura, um dos grupos temáticos incluiu que o governo devia “implantar um sistema de graduação unificado”... será que estamos pedindo ao governo para nos impor algo assim?
o Vale lembrar que não faz diferença praticamente nenhuma para uma questão cultural que envolva a capoeira a questão da “graduação”, esse conceito foi introduzido pelo Mestre Bimba em um determinado contexto histórico e isso nos foi legado por ele como uma recurso de organização de nossa instituição capoeirista, seja por razões administrativa, econômica ou mesmo hierárquica, isso jamais deveria ter se tornado um cavalo de batalha onde tanta energia já se perdeu, a livre manifestação cultural da capoeira é uma de suas premissas, e direitos;
o Vista sob a ótica desportivizante, a graduação tampouco é uma exigência de nenhum comitê olímpico ou marcial, onde são considerados, apenas, categorias compostas de idade e peso... no máximo estilos... ou seja, mais uma vez sabemos que essa discussão é estéril e desnecessária... a não ser, claro, para grupos que partilhem de uma mesma organização, seja uma associação, federação, liga, escola, etc...
o Muitos poderão entender que estejamos defendendo o caos na capoeira, perdoe-me os que assim pensam, mas estou apenas defendendo a razão no lugar de uma emoção infantil e estéril que a nada serve, mormente em locais e na presença de representantes do governo, muitas vezes interessados apenas em entender como podem ajudar a capoeira.

Fato é que temos que amadurecer nossa capacidade de dialogar com o poder público, seja porque temos antes de mais nada um direito de fato relacionado com essa relação entre a capoeira e ele (o poder público), seja porque muitas vezes as pessoas que estão participando de uma reunião conosco – a maioria das vezes técnicos-burocratas do governo, não possuem a mínima condição seja de resolver nossas questões históricas e muito menos de encontrar para nós os nossos fantasmas do mau...
Se não tivermos essa consciência e essa maturidade, qualquer diálogo será muito difícil e as nossas expectativas de participação no bolo do orçamento público será algo que teremos que esperar muito mais tempo até que possam se materializar como algo sólido para nós, os capoeiristas, os mestres, os professores, os estudiosos do assunto, os produtores, os patrocinadores, os alunos, os parceiros, os interessados em nosso trabalho dentro de escolas e outros espaços públicos.
Enfim a nossa maturidade profissional é um requisito para uma negociação mais racional e menos emocional com qualquer instituição ou poder público

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Uma Lei Orgânica para a Capoeira


Mestres de Brasília-DF, estão desenvolvendo gestões e promovendo reuniões junto à Frente Parlamentar da capoeira, visando produzir em conjunto com os parlamentares que fazem parte da referida Frente, reflexões que possam tornar efetiva a sua atuação.

O entendimento que temos é de que a ausência dos capoeiristas na sua atuação de uma Frente Parlamentar que representa totalmente o nosso interesse, irá esvaziá-la, podendo até tornar nulo ou limitar muito o seu papel e seu propósito.

Nesse sentido, fizemos pessoalmente uma proposição junto ao Gabinete da Presidência da Frente pela capoeira, no sentido de que a mesma possa realmente se encarregar de levar adiante algumas questões basilares que nos afligem, promovendo um trabalho que realmente represente todos os segmentos da capoeira, cuja premissa essencial é a diversidade, que será a norte fundamental de qualquer tentativa de produzir políticas publicas para a nossa Arte.

Desconhecemos de onde surgiu a bandeira da capoeira como processo exclusivamente desporto-competitivo-olímpico, que parece estar norteando as ações do programa Pró-capoeira, do Ministério da cultura através do IPHAN, e que foram objeto de protesto feito através do manifesto dos capoeiristas de Salvador-BA, mas entendemos que realmente não podemos nos calar e simplesmente ir aceitando essas abordagens mais confusas ou limitantes que vão sendo articuladas no caminho da produção de salvaguardas, onde os verdadeiros interesses ficam pouco claros para grande maioria de nós capoeiristas.

Entendemos que o primeiro passo deva ser a produção de uma Lei Orgânica, onde se obtenha o consenso para uma visão organizada da capoeira, como conceito, enquadrando suas facetas mais relevantes, agrupando os atores que compõem e sustentam tais facetas; os órgãos do poder público que tem relações e interface com essa comunidade; as questões econômicas e legais típicas desse lado da capoeira; e também os instrumentos de regulação típicos que atendam aos interesses dessa face da capoeira, particularmente as políticas públicas mais importantes que se destinarão a essa comunidade.

A ausência de uma tal Lei Orgânica, que regule e que caracterize a capoeira, deixa espaço para todo tipo de ação desencontrada, limitada ou tendenciosa, que buscam atender sempre segmentos específicos da comunidade da capoeira, deixando de fora outros tantos atores, segmentos, profissionais, mercados de trabalho, legislações especificas, políticas públicas omissas, etc., e isso sempre tem acontecido.

Vamos descrever a seguir alguns problemas típicos que temos visto surgirem no caminho dessas leis e instrumentos de políticas públicas segmentadas e focadas no senso estrito de algumas questões ou de públicos restritos dentro da capoeira, entre eles os envolvidos na capoeira confederada ou desportivizada, ou mesmo ações relacionadas com o apoio aos chamados “grupos de capoeira” onde pela influência pessoal alguns capoeiristas e mestres conseguem obter algum tipo de apoio ou vantagem, sendo que as leis e instrumentos (portarias, decretos, rubricas, etc.) até aqui produzidas apresentaram, entre outros, os seguintes problemas:

Leis segmentadas ou com visão limitada, produzindo vetos e restrições

Entre as leis já apresentadas ou aprovadas, algumas foram inclusive vetadas totalmente pelo Presidente da República, depois de anos de uma desgastante tramitação pelo Congresso Nacional, porque traziam em sua proposta a submissão de toda a capoeira, todos os seus segmentos, já que não especificava nada, ao julgo de duas instituições apenas, as quais passariam a exercer um poder sem precedentes sobre a capoeira.

Muitos criticaram a atitude do Presidente, mas infelizmente parece que ele estava certo, pois não podemos entregar a capoeira para o poder e o arbítrio de nenhuma “autoridade” totalitária, pois ela pertence ao povo brasileiro a ele cabe decidir seu destino!

E isso só para citar uma única tentativa de se legislar sobre a capoeira... Outras leis que possam ter prosperado e chegado à alguma conclusão tratam de assuntos sem relevância ou abrangência, como datas comemorativas, a desvinculação da capoeira do CONFEF, etc.

Não podemos mais perder tempo com esse tipo de lei... que só seriam redigidas com visões limitadas, interesses estranhos, enfim, leis que só iriam dividir os capoeiristas entre incluídos e excluídos...

Não é raro na capoeira e a maioria de nós sabe exatamente que isso acontece, onde ações, portarias, e mesmo leis, são redigidas com o objetivo de favorecer grupos específicos. Isso acontece muito em leis produzidas no âmbito de Estados e Municípios, justamente porque não existe uma lei maior, ou seja, uma Lei Orgânica para organizar e sistematizar a discussão em torno da capoeira. Justamente isso o que buscamos

Falta de sistematização

A produção de leis isoladas e não evolutivas, que tampouco que permitam sua manutenção, de acordo com a evolução do próprio debate, da entrada de atores importantes ou dos desdobramentos que a mesma deva ter, engessa essa legislação. Inibe a ampliação das discussões, dificulta ou mesmo impede que os assuntos sejam tratados em outras perspectivas ou outros segmentos. A sistematização é uma das premissas da Lei Orgânica.

Sistematização quer dizer que seja organizada de modo sistêmico, possuindo a capacidade de ser mantida, expandida, esteja aberta a aceitação de novos participantes, de novos atores, outras questões, já que sua primeira visão é genérica, mas é abrangente.

Ações pouco transparentes do poder público

As ações do poder público destinadas à capoeira são sempre um grande mistério. Ou, melhor dizendo, tem sempre alguém que toma conhecimento, é muitas vezes quem alimenta os órgãos de informações e bases conceituais e dados que são usados para a confecção dos artefatos legais, portarias, decisões, ou o que for.

Esse tipo de comportamento já muito conhecido dos capoeiristas. Já vimos projetos destinados a inserção da capoeira na escola serem feitos e coordenados por mestres de capoeira, que não compartilharam nada do que foi feito com a comunidade, tendo ele mesmo ou seus alunos ocupado os espaços, cargos, locais de aula, etc.

Naturalmente numa situação assim os interessados mantém todo o aparato de atitudes e subsídios que permitam que as decisões e ações seja executadas mas não compartilham essas informações, atitude muito comum por quem recebe os benefícios dessa legislação ou ações de governo.

Todos nós sabemos que a nossa tradição política é essa: você está comigo eu te apoio, se não está não te conheço! Assim age grande parte dos nossos gestores públicos. Alguém duvida?

Desconhecimento no Legislativo

O Congresso Nacional instância maior da representatividade dos interesses do provo brasileiro, e nesse sentido todos nós, independentemente de que profissão exercemos, que esporte praticamos, oficio que exercemos, ideologias que sigamos, sempre teve suas prioridades, seus lobistas atuando, suas negociações e tantas outras coisas que não entendemos ou não participamos, ou pior ainda, nem sabemos que ocorre.

No caso da capoeira o que fica mais patente quando conversamos com qualquer legislador, seja deputado, senador, vereadores, prefeitos, etc., é que eles desconhecem solenemente a capoeira e suas questões, seus desdobramentos... Uma lei orgânica conceitua, caracteriza, define envolvidos, define atores do governo, define políticas típicas para cada segmento, e essa é uma das funções de uma Lei Orgânica: levar o Congresso a conhecer melhor a capoeira e poder se envolver com ela, sabendo que ela tem essa e aquela faceta, este e aquele ator, essa ou aquela questão.


Essa abordagem evitará a produção de leis excludentes como tem acontecido, que se propõem de maneira equivocada a tratar da capoeira, numa totalidade falsa, ou que não aceita a premissa da diversidade que a capoeira representa.

Falta de transparência das ações de governo

A falta de uma legislação para a capoeira, permite que setores e entes públicos usem de suas visões para decidir arbitrariamente sobre assuntos e questões da capoeira, tais como o uso de espaços públicos, a contratação de pessoas (acabamos de ver um processo de contratação acontecer no âmbito do MINC/IPHAN que ninguém sabe quais foram os critérios utilizados para escolher os chamados “consultores” que foram contratados para a implantação da capoeira como patrimônio cultural brasileiro. Alguém sabe?)

A liberação para uso de espaços públicos, ou de verbas para projetos e viagens de capoeiristas, o patrocínio de entidades governamentais, entre tantas outras ações do poder público, nos deixam ver claramente que não existe conhecimento ou clareza nas ações que envolvem a capoeira, onde algo que poderia ser perfeitamente licitado, ou pelos menos projetos que poderiam ser selecionados a partir de critérios do conhecimento geral, são simplesmente ocultos esses critérios.

As ações do recente projeto do Ministério da Cultural, no seu programa “capoeira viva”, vimos pessoas e entidades serem contempladas com recursos públicos utilizando para isso de critérios que pessoalmente desconheço, sendo inclusive que uma vez me dirigi aos gestores desse programa, perguntando se teria acesso pelo menos aos projetos que foram aprovados e quais os critérios usados e me foi respondido que não fazia parte do processo fornecer esse tipo de informação.

Enfim, a idéia de existir uma Lei Orgânica se destina a tratar e contornar todas a maioria dessas questões acima enumeradas.

Embora o próprio texto da Lei ainda não tenha sido iniciado em sua confecção, trabalho esse que já está sendo entabulado junto à Frente Parlamentar, já existem alguns aspectos da mesma que deverão ser considerados para sua confecção, atributos e requisitos que a tornará realmente acessível e abrangente e facilmente compreendida por todos os capoeiristas.

Sua proposta deverá considerar e incluir as seguintes premissas e características em seu bojo:

 Simplicidade
 Abrangência
 Clareza
 Riqueza de elementos norteadores
 Estratégia política
 Aplicabilidade
 Inclusividade/diversidade


Essas condições deixam claro que não podemos mais ser submetidos a abordagens que privilegiem visões acadêmicas ou herméticas, ou seja, abordagens em si mesmas excludentes ou pouco claras, que não permitam uma compreensão abrangente e sem intermediários de parte dos capoeiristas.

Por isso é que estamos trabalhando junto à Frente para que possamos subsidiar o trabalho que a mesma irá desempenhar e com isso evitarmos que o descaminho e até a nulidade de suas ações possam acontecer.

A essência da proposta da Lei Orgânica para a capoeira, terá como primeira meta a de organizar o sistema envolvido na capoeira em sua abrangência e que possa identificar as diversas questões e os diversos atores e envolvidos, montando assim um primeiro instrumento jurídico efetivo com a validade e a abrangência que caracterize a capoeira em sua diversidade, seus segmentos e suas questões especificas.

A intenção dessa proposta é demonstrar e agir sob a perspectiva de que não se deva colocar numa mesma receita questões de natureza acadêmicas, culturais, ancestrais, desportivas e outras, admitindo que exista um segmento interessado em cada uma dessas faces de nossa Arte.

A proposta busca resolver um problema técnico e sistêmico da legislação que deverá ser aplicada à capoeira, revelando antes de tudo sua conceituação e seus desdobramentos temáticos, facilitando com isso o seu entendimento e permitindo a produção de leis e instrumentos de políticas públicas e ou privadas que se ocupem de cada uma das especificidades que envolvem nossa arte.

Assim sendo, essa Lei Orgânica, terá como intenção atender as seguintes justificativas básicas:

 Produzir perspectivas para a FPC - Frente Parlamentar da Capoeira;
 Criar salvaguardas legais para a capoeira em todos os seus aspectos e interesses específicos;
 Oferecer elementos ao Legislativo para compreender a abrangência e profundidade do tema e das questões relacionadas com a Capoeira
 Neutralizar divergências e competições, uma vez que oferece abrigo para todos os segmentos da Arte;
 Oferecer estímulos e compromissos dos legisladores e ações de governo;
 Criar processo continuado de legislar sobre o tema, pois cada uma parte caracterizada deverá abrir outras leis e processos específicos
 Vincular setores de governo a ações para salvaguarda e inclusão da capoeira em suas diversas facetas;
 Criar respaldo à inclusão cidadã dos praticantes e mestres, profissionais e detentores dos seus saberes, que possuem necessidades e direitos distintos;
 Proteger o patrimônio imaterial da capoeira;
 Orientar ações do poder público, atribuindo compromissos e obrigações aos setores do governo de modo independente entre si, assim o Ministério do Esporte poderá apoiar e se envolver com as questões desportivas ao tempo que o Ministério da cultura se encarregará das questões culturais, rituais, ancestrais de interesse direto dos portadores da cultura capoeiristica;
 Segmentar as discussões da capoeira e especializar os temas/atores, em fóruns e congressos específicos e salvaguardando nossos mestres dos saberes capoeiristicos de de desrespeito e exclusão por uma abordagem hermética e/ou excessivamente técnica.
Entre outros aspectos que poderiam ser citados.

Entendo que a capoeira ganhará, assim, uma identidade no legislativo e no executivo, trazendo a tona uma nova visão e nova compreensão, efetiva e abrangente, de seus problemas, segmentos, atores, questões, etc.

A visão da Lei Orgânica é sistêmica e não deverá excluir nenhum dos interessados, apenas organizando seus temas em segmentos e permitindo uma priorização democrática nas políticas que forem sendo produzidas e, conseqüentemente, nas ações daí geradas.

Em termos de encaminhamento, a Lei Orgânica irá ser produzida numa primeira versão em Brasília-DF, contando com os mestres e professores daqui, alguns colaboradores que compreendam sua proposta e possam contribuir com as questões técnicas relacionadas com formatação e linguagens que a estruturem, passando esta primeira versão a circular por todos os cantos e todos os capoeiristas interessados em contribuir com ela, absorvendo todas as idéias e sugestões que a melhorem e aumente sua abrangência e alcance para que a maior diversidade de percepções possíveis possam ser abrigadas e acatadas por ela.

Essa fase esperamos que aconteça muito brevemente pois sabemos que existe uma possibilidade de apresentarmos essa minuta ainda este ano para encaminhamento pela Frente Parlamentar da capoeira.

Espero contar com o apoio de todos os nossos camaradas e, aproveito para esclarecer que este projeto de lei é de iniciativa nossa, não tendo nenhum compromisso com interesses outros que não os da nossa comunidade, que tem como premissa ser INCLUSIVA, ou seja, ninguém deverá deixar de ter voz e de ser reconhecido no processo de legislação da capoeira.

Aguardo todas s reflexões e contribuições que possam surgir para o encaminhamento do assunto e esclareço que estamos buscando muito brevemente todos os meios para que as idéias sejam colhidas junto aos camaradas tanto nos Estados e cidades brasileiras, como vindas de quem trabalha e desenvolve nossa Arte no exterior.

Grande abraço a todos e seguimos na luta pela emancipação cidadã da capoeira!

Recomendo a quem queira seguir o andamento dos trabalhos da Frente Parlamentar da Capoeira, seguir os seus movimentos através do site:

http://http://frenteparlamentardacapoeira.blogspot.com/

terça-feira, 8 de junho de 2010

Zebrinha, filho da Fortaleza do Ceará!!






Impressionante até mesmo para quem é muito crédulo, capoeirista convicto, confirmado em anos de estrada e capoeirando nas voltas do mundo, o que a capoeira é capaz de nos trazer...!
Aprovado no concurso da Caixa Econômica Federal, me transferí para Fortaleza em 1979, iniciei aulas de capoeira, na Academia Professor Sá, no Centro da cidade.



O principal sonho que levei no meu embornal de viajante pela geografia do Brasil, era um projeto de criar uma escola de capoeira naquele novo lugar onde passaria a morar por tempo indeterminado.



Muito movimento e muita busca na chegada junto com todas as descobertas da cultura e das pessoas iam me aprisionando numa relação de grande generosidade, em que os camaradas que se aproximavam trazendo suas competências e suas ideologias para engrossar o caldo do terreiro de capoeira que havia implantado, em meados de 1979.



Muitos adolescentes e jovens se firmando naquilo que seria mais tarde o grande berço de bambas da capoeira cearense.



Naquele espaço, mais de cinco centenas de capoeiristas passaram por alí, muitos deles hoje grandes destaques da capoeira no mundo inteiro.



Uma garotada indisciplinada e difícil que exigia grande energia da minha parte, recém instalado no já consagrada no espaço do DCE - Diretório Central dos Estudantes, na Rua Clarindo de Queiroz 133, no centro de Fortaleza.



Mas para compensar tanto trabalho, ali se matricularam alguns ungidos de uma competência e disposição de guerreiros.



Entre essas figuras que se destacaram pela sua dedicação e identificação com a arte e todos os seus desdobramentos, inserindo a capoeira muito além de sua própria pele, tornando-a o seu próprio oxigênio, vital para sua existência e de todas as pessoas com as quais partilha a própria vida. Entre eles estava o Pedro Rodrigues.



Estamos falando de um dos mais importantes capoeiristas cearenses, alguém que irradiou seu trabalho e sua obra na capoeira para além das fronteiras do Ceará, para além do Nordeste, chegando ao Norte, saindo do Brasil e avançando pela Europa, ou seja, mundo afora.



Pessoa de um carisma tão natural quanto o próprio sorriso que ostenta, personagem bem resolvido e de uma tranqüilidade fantástica, Zebrinha, o Mestre Zebrinha de tantos discípulos, é na verdade uma surpreendente revelação dos nativos nordestinos, povo de uma garra incomum, resistente a todos os desafios do clima e das dificuldades materiais que parecem não ter fim, produto de uma injusta distribuição de renda e de atenções de nossos governos.



Porém, longe de qualquer drama ou de se fazer de vítima como produto deste agreste, nasce este verdadeiro mandacaru da resistência, da competência e da força de vontade batizado com o nome de um santo católico que segundo o credo é o guardião das chaves do céu.



Através do retrovisor do tempo, vejo sua chegada pela primeira vez na Terreiro Capoeira, no DCE, usando uma espécie de pijama listado e um olhar desconfiado, e mais tarde junto com seu parceiro Cação, outra criatura que Deus ungiu de muita coragem e também muita molecagem, sendo ele quem levou o amigo Cação (hoje mais conhecido como Gamela) para a capoeira.



Aqueles dois adolescentes só treinavam juntos e também aprontavam muito juntos.



Quase diariamente tinha punição de flexão de braços, por causa de alguma presepada que os dois aprontavam.



Quem visse uma cena dessas jamais seria capaz de imaginar 20 anos depois, o garoto Zebrinha virar o Mestre, mantendo o mesmo sorriso e a mesma espontaneidade e se tornando um verdadeiro touro de força e destreza capoeirística.



Quem conhece capoeira e presta atenção em sua sabedoria sabe que deve aprender com suas músicas e uma delas, muito popular e de domínio público nos ensina:







  • Não bata na criança que a criança cresce. Quem bate não se lembra, quem apanha não se esquece...!


A capoeira é essa fonte eterna de sabedoria e a cada dia fica mais claro para os verdadeiros seguidores dessa arte os seus fundamentos mais sutis, como esse que ilustra uma parte pequena da História de vida do camarada e irmão de luta, o Mestre Zebrinha.



Mas eu seria muito infeliz se deixasse de contar aqui um dos momentos mais gratificantes da minha vida na capoeira, quando já em Brasília, depois de anos morando e ensinando no Ceará, onde pude cultivar tantos discípulos, alunos, amigos e camaradas, ao ver chegar em minha aula no Vizinhança Norte, em Brasilia, Distrito Federal, ninguém menos que Zebrinha, meu aluno de Fortaleza, até então por mim considerado apenas um adolescente empolgado, um pouco mais que iniciante na capoeira.



Mas, engano meu! Zebrinha chegou em Brasília movido por sua vontade de aprender mais, de se aprofundar, de se formar em Capoeira... Ele tinha sede de saber mais e entendeu que eu seria a pessoa com quem ele poderia contar pra isso...!



Surpresas da vida. Surpresas da capoeira. Confesso que não acreditava que isso viesse há acontecer um dia e tive que engolir minha descrença com farinha seca!



Ali estava o meu aluno até então, para mim, apenas aluno. Hoje entendo que essa palavra guarda uma visão infeliz de muitos mestres e que também foi minha visão, equivocada e injusta por muito tempo.



Aluno é uma palavra que vem do grego e que significa sem-luz (a, representa uma oposição com luno, que vem de luz...).



O correto era dizer discípulo, pois isso faz muito mais sentido para mim hoje e me faz rever o que em verdade vi naquele momento, pois só um discípulo muito dedicado e fiel é capaz de se deslocar rumo ao desconhecido e inóspito mundo da capital federal, deixando para trás a familia, o seu lugar seguro entre os seus espaços e referências, enfrentando os próprios limites, medos, limitações, falta de dinheiro, etc.



Só hoje, Zebrinha, posso compreender e digerir o significado do seu gesto!



Na verdade ambos estávamos aprendendo, tanto o discípulo que aprende quando o mestre que dá lição. Essa outra filosofia da capoeira que a cada dia significa muito mais para mim e para todos os capoeiristas de alma!



Aprendiz eterno dessa arte, graças aos desígnios de todos os deuses, seguimos ainda hoje lado a lado, companheiros e amigos, camaradas e irmãos de arte.



É sempre gratificante saber que o tempo não destruiu, muito pelo contrário, forjou mais sólidos em cada um de nós os traços e as marcas do tempo, nos calos da alma e nos olhos de eterna observância e aprendizado, dos caminhos do berimbau, Zebrinha!



Confesso que ao receber uma ligação e o convite para o lançamento do Grupo Legião, fui tomado de alegria, não pela minha participação nisso, embora enaltecido naturalmente, mas sim pela alforria que isso significava para você e seus discípulos!



O garoto que conheci e que um dia dei a mão para ensinar os primeiros passos na capoeiragem era agora um mestre indiscutível e consagrado pelos próprios méritos...!



Maior surpresa ainda me aguardava no momento em que, numa quadra na beira-mar, se alinharam às centenas os membros do novo grupo, uma legião de mandacarus, guerreiros honrados e bem-aventurados que seguiam os passos de um grande mestre, a quem um dia tive a honra de ensinar alguns fundamentos...



Mais do que um motivo de orgulho, o que pude perceber foi que o Ceará ganhava ali um novo líder inconteste da capoeira, independente e gentil, competente e sincero, jogo duro e coração mole...!



Naquele momento também pude entender que estava criada uma nova safra de capoeiras, garotos e homens de olhar sereno para o amanhã do seu grupo, do seu Estado e de sua arte.



Mas não pude deixar de ver a ternura da sua companheira Tereza, a quem o tempo de anos de trabalho e de solidária presença em sua vida, não incomodou em nada e que se tornara uma carismática organizadora dos meios e dos fins do trabalho do Grupo Legião, ostentando uma paciência e uma dedicação competente e delicada gerindo tudo em volta.



Nisso pude também compreender uma das razões do sucesso deste guerreiro.



Mais tarde na casa deles, pude ver mais de perto a profundidade dessa parceria.



Pude notar nas palavras e na atenção a uma centena de pessoas, a clareza das decisões e na objetividade das orientações, mais que uma esposa, o Mestre Zebrinha tem ao seu lado uma guerreira, uma obstinada mulher, cujo amor pelo companheiro era mais uma bênção que advinha dos céus sobre a cabeça, o coração, o corpo e alma deste líder-mestre, ou mestre-líder...



Ela é com certeza um dos mananciais que nutrem aquela montanha de músculos e de disposição que pulsa na energia do Mestre Zebrinha.



Mas o caminho de um aprendiz da Arte substantiva da Capoeira não pára nunca de crescer.
As distancias que alcança a influencia e a presença de pessoas como o Mestre Zebrinha vão cada vez mais além.



De Fortaleza para o Ceará. Do Estado para o Nordeste. Do Nordeste para o Brasil todo.
E inevitavelmente chegou para além-mar as marcas do trabalho e da capoeira do Mestre Zebrinha.



Pude presenciar um dos seus discípulos há cerca de dois anos passados (2007), quando conversávamos calmamente numa barraca de praia em Fortaleza, provocado por mim, que o perguntei se ele afinal estava no grupo de um outro mestre do Ceará e ele me afirmou com uma naturalidade e uma convicção que me impressionaram que a relação dele com o outro grupo era apenas de natureza profissional e que o seu verdadeiro Mestre, primeiro e único é e sempre será o Mestre Zebrinha.



Afinal, em tão poucas páginas e em poucas palavras não é possível, pelo menos não acredito, falar do Mestre Zebrinha ao ponto de fazer justiça ao seu trabalho e a sua pessoa.



Digo isso para me desculpar de antemão pelas pouquíssimas coisas que me ative a escrever sobre ele e seu trabalho.



Não posso me permitir mais ocupar a atenção de quem abra um livro, à cata de maiores conhecimentos sobre essa pessoa tão simples e nobre, muito além do que aqui registro, mas falta algo que não me perdoaria deixar de fora...



A sua ida às origens, buscando a água de beber de nossos ancestrais...



Assim descreveria a narrativa e a empolgação de Zebrinha ao pisar o solo sagrado de Luanda, Angola, a Aruanda que tanto cantamos na capoeira!



Pessoalmente vivi essa experiência ao chegar pela primeira vez ali, de onde veio tanto para nós... Tanto de nós... Tantos de nós... A gênese de nossa cultura e de nossa biologia.



Tocar o continente negro é uma das mais incríveis experiências na vida de um capoeira, alguém que guia sua existência sempre com base em nossas raízes.



Zebrinha não chegou à África como um turista para fazer um safári.
Ele chegou ali como conseqüência de sua caminhada no terreno do aprendizado no caminho do berimbau, algo tão importante quanto o dia em que foi batizado.
Após tantos anos, tantas lutas, derrotas e vitórias, Zebrinha fez o que seria mérito de poucos de nós, ao colocar os seus pés na África!
A emoção é indescritível! É como um sonho. É sentir-se no berço de nossa civilização e ver fluir em nós todas as heranças que guardamos quase sem perceber dentro de nosso arsenal de informações, de nossa cultura, de nosso sangue e de nossa alma!
A capoeira e a África são uma coisa só! Por mais que a tenhamos enriquecido ou embranquecido, ela é a nossa genética tribal que se traduz em nossos modelos mentais e sociais que de lá vieram!
Ver e tocar os nossos irmãos africanos é maravilhoso! É uma bênção tão linda quanto um hino que toca o coração de um capoeira.
E Zebrinha chegou até lá!
Ele tem todo o motivo para se sentir muito orgulhoso e feliz!
Esse deve ter sido para ele – como foi para mim – um prêmio como nunca esperou dia algum!
O tipo de premio que a gente não concorre. Ganha ou não ganha. E a maioria não ganha.
Para terminar minhas parcas e desnecessárias palavras sobre o Mestre Zebrinha sob o ponto de vista muito elementar dos ínfimos momentos que convivemos, sua vida e sua obra, objeto muitíssimo simplificado aqui neste livro, invoco a Che Guevara, quando dizia:
Existem homens que lutam um dia e são bons.
Existem homens que lutam um ano e são melhores.
Existem homens que lutam dez anos e são excepcionais.
Mas existem homens que lutam a vida toda e esses são imprescindíveis!
E eu me arriscaria a dizer, plagiando Che Guevara: existem homens que lutam a vida inteira e um dia acabarão sendo reconhecidos e justiçados e um deles se chama Pedro Rodrigues de Lima Filho, o Mestre Zebrinha, capoeira cearense. Figura de raiz. Do dendê. De axé. Do bem!

Yêh, viva Zebrinha, camará!

Brasília – DF, FEV2009

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ego na Capoeira - ego, esse miserável!!


Neste espaço irei procurar expressar um pouco mais do que venho a algum tempo observando sobre o Ego na capoeira, que, aliás, será tema para um livro que pretendo trabalhar futuramente.

Infelizmente tenho que admitir que na capoeira o ego se tornou algo patológico com configurações de epidemia.

Mas por que? Será que a prática da capoeira passou a produzir um estado egóico nos seus seguidores? Ou seria parte do processo de auto-superação atual da prática capoeirista, a qual produziria como efeito colateral uma espécie auto-estima exacerbada e patológica no individuo?

Ou será ainda uma conseqüência natural do fato que os capoeiristas têm que fazer frente ao injusto mundo dos dominadores?

Veja que nessa última hipótese, a “culpa” seria da questão política enfrentada como parte do processo libertário desenvolvido pelos capoeiristas, pelo menos dos capoeiristas que original e historicamente eram pessoas das camadas mais baixas da população, massacrados por anos e anos de dominação inicialmente dos brancos, mais tarde a burguesia, como costumam se referir os marxistas e os ativistas mais panfletários.

Hoje isso se converteu e foi incorporado pelo discurso da classe média praticante de capoeira, a qual dispõe sempre de acesso à toda sorte de mídia e, com isso, temos tais explicações sempre convincentes, usadas como arrazoados para posturas questionáveis, como o individualismo, o narcisismo e o próprio egoísmo, para acobertar e proteger a tantos de nós mesmos de qualquer forma de cobrança, de crítica ou de responsabilidade por atos tão degradantes que encontramos na capoeira.

Para não ficar parecendo um estudo acadêmico de teorias baseadas em hipóteses dificilmente verificáveis no nosso meio, alguém poderia perguntar onde e como se manifesta esse tal de EGO...?

É impressionantemente presente esse fenômeno. Podem crer. O culto de si mesmo seja qual for a forma que isso se manifesta, é manifestação do ego...

• Muitas questões que existem dentro da capoeira, como incompatibilidades entre pessoas ou grupos, via de regra é produto de algum ego declarado o sutilmente ocultado através dos discursos politizados que descrevi acima.
• A formação negativa ou deformada de muitos capoeiristas que se comportam de modo deselegante ou mal-educado nas rodas, seja cantando (via de regra desafinados ou gritando igual a pavão solteiro!), muitas vezes quando existem outros mais graduados ou mestres na roda; as vezes exigindo privilégios nos eventos, como participar da roda dos graduados ou de mestres. Querendo ser dispensados das taxas e pagamentos pelos cursos ou camisetas. É ego.
• O desrespeito a novatos, deixando-os muitas vezes horas nas filas das rodas sem chance de jogar, insensíveis a isso. É ego.
• Tirar um mestre mais antigo que está na roda jogando, impedindo-o de ter sua liberdade de escolher quando sair da roda. É ego.
• Tentar subjugar ou agredir outro capoeirista, ou um companheiro, do mesmo grupo ou de outro, muitas vezes violentamente, apenas por uma atitude inconsciente ou pela falta de técnica em do novato em um movimento, tenha ou não atingido-o, desde que pareça que o mesmo ameace o graduado. É ego.
• Impedir que uma pessoa seja reconhecida em seu talento para ocultar um possível concorrente ou alguém que possa lhe fazer sombra, agora ou futuramente. É ego.
• Dar uma aula exibindo seus próprios atributos e performances, sem respeitar os limites dos iniciantes ou pessoas em situações de inferioridade por qualquer razão. É ego.
• Ocupar uma roda que tenha muitas pessoas e querer jogar n vezes enquanto muitos não tiveram chance de jogar nenhuma. É ego.
• Se gabar de agressões que cometeu, se auto-elogiar, se gabar de talentos que tenha, ou que ache que tenha. É ego.
• Se colocar sempre em primeiro lugar nas coisas, imaginando-se dotado de privilégios e se achar um ser superior em relação a outras pessoas, independentemente da graduação. É ego.
• Inflamar-se para contar vantagens pessoais e se colocar como um super-dotado em qualquer terreno. É ego.
• Negar a oportunidade a outras pessoas, impondo sua autoridade ou fazendo exigências descabidas. É ego.
• Criticar gratuitamente pessoas tentando fazer com que eles percam o seu prestigio ou o seu brilho perante outras, gratuitamente, ou até por razões justificáveis. É ego.
• Se olhar no espelho e se sentir uma pessoa maior ou melhor que os outros. É ego, além de ser uma estupidez mórbida...
• Tentar aparecer em qualquer momento e em particular nos momentos que existem pessoas ou situações como filmagens fotografias, autoridades, mestres mais antigos, etc.. É ego.

Logicamente que isso poderia ir muito mais longe...! Mas só estou tentando ilustrar as situações em que os egos se manifestam na capoeira.

E o que vemos sobre isso é muito mais na direção do discurso do tipo: temos que nos impor... Capoeira é valente... Ninguém pode segurar um capoeira... Eu sou mais eu... Entre inúmeras outras bobagens, pelo menos para os dias de hoje.

Talvez tudo isso fosse válido como argumento e motivação dos capoeiristas do passado que tinham, eles sim, razões para chutar o balde das regras sociais... Nós, hoje, nas condições que temos a maioria dos grupos, composto na maioria por participantes de classe média...? A esses não caberia esse discurso.

Mas, tem uma coisa mais triste ainda em relação ao dito cujo.

O ego é uma forma de sofrimento. É o sofrimento da insegurança. É a não resolução de conflitos interiores. É o problema que não entendemos como problema. É viver do passado, do que já fomos ou fizemos. É desconhecer a realidade das coisas. É se sentir com necessidade de afirmação o tempo todo, sendo, portanto um estado de espírito onde temos sempre que provar alguma coisa a alguém... É sem dúvida uma dimensão sem brilho da alma humana.

Tudo bem, nada ou ninguém pode mesmo deter esse processo. A não ser que os próprios capoeiristas percebam no que isso está convertendo a prática da capoeira. Se vermos os aspectos negativos dessas posturas, talvez a gente comece a enfrentar ou pelo menos a deixar clara nossa indignação frente a isso.

Os ditos valentes, por exemplo, na maioria das vezes são superegos ensimesmados e exacerbados querendo provar sua superioridade frente a pessoas menos graduadas, fora de forma, inocentes, pacíficas, fisicamente menores, etc... O ego nesse caso é uma receita muito usada para esvaziar a entrada de novatos nos grupos. Depois ainda não sabemos por que a capoeira diminuiu tanto o efetivo de seus participantes.

Em outras palavras, estou afirmando que a capoeira, utilizada pela classe média em particular está produzindo muitos efeitos colaterais negativos em sua prática. Esse efeito em grande parte se caracteriza pela exacerbação do ego no individuo.

É claro que muitos da camada mais baixa também sucumbem a esse mal. Ninguém escapa do vírus do egus patologicus urbanus, para dar um nome pomposo a esse fenômeno. Não dá para esquecer que a explosão da comunicação promovida pela globalização faz chegar a todos os rincões sociais as influências produzidas nos grandes centros. Como diz Caetano Veloso: Bomba de Hidrogênio, luxo para todos! Representando a propagação das piores coisas entre todas as camadas da população.

Assim temos no caso da capoeira, o direito inalienável de qualquer um se tornar um insensível bombado, ou um horrível valente de galera que todo mundo sabe exatamente o que é... Isso é o subproduto do desenvolvimento de uma egoficação em massa, que é o que permite e estimula a propagação da epidemia do ego na capoeira.

A capoeira provavelmente até a metade do século XX se assentava nas camadas mais baixas economicamente da população.

As periferias, subúrbios, áreas de favelas urbanas, entre outros espaços da população menos favorecida da sociedade é que representavam os capoeiristas. Isso logicamente mudou, a classe média foi assumindo a capoeira, inicialmente de modo discreto, mas desde o final da década de cinqüenta houve uma incorporação de uma massa muito grande dessa classe nos movimentos da capoeira.

Facilmente podemos refletir que capoeiristas da classe economicamente mais baixa da sociedade raramente teriam como chegar até o exterior como professores de capoeira. Esse caminho teve que ser aberto por representantes da classe média, obviamente.

Portanto, o discurso que era originalmente legitimo dentro da capoeira, da opressão e da luta de classes, foi sendo apropriado em cadeia, no processo de aculturação da capoeira pela classe média que o reempacotou e devolveu, criando o que o meu amigo Jota Bamberg, o Mestre Angoleiro chama de prateleira da capoeira, difundida através da mídia às massas dos capoeiristas de todos os níveis sociais.

A entrada da classe não-escrava na prática da capoeira é muito bem explorada no trabalho de Letícia Vidor de Sousa Reis, estudo publicado no livro O mundo de pernas para o ar, Ed. Publisher Brasil, ano de 2000, onde a autora demonstra inclusive que a própria legislação que nos parece sempre ser uma forma do governo de combater a capoeira pura e simples, na verdade guardava uma certa dose de controle das ações da polícia, que tinha autoridade para prender e punir os capoeiristas, e depois foi sendo (a polícia) obrigada a produzir um processo de julgamento antes da punição, esvaziando assim uma autoridade que a referida policia tinha, a revelia de qualquer processo penal...

Isso demonstra que a até mesmo os mecanismos sociais de combate ou de controle da capoeira e seus efeitos sociais negativos – conflitos de maltas, roubos e espancamentos de pessoas, ameaças a autoridades, etc., tinham no fundo uma outra faceta, que era justamente a de abrigar e proteger os eventuais representantes não-escravos capoeiristas que fossem presos praticando a proibida arte da capoeira.

Mais tarde, muitos capoeiristas dos guetos de cidades como o Rio de Janeiro ou Salvador (não necessariamente nessa ordem) polemizaram posições politicamente, muitos se incorporando ao próprio banido Partido Comunista (ver o caso do Mestre Onça Tigre, que ensinou Teoria Marxista no PC), esse debate foi estimulado por diversos outros capoeiristas de expressão por volta do final da primeira metade do século XX, conforme muitos capoeiristas como Mestre Decânio, o próprio finado Mestre Onça-Tigre, Mestre Traíra e o próprio Mestre Bimba, que teve muitos alunos da classe média, universitários e outros da alta sociedade.

Mestre Onça-Tigre dizia sempre com uma dose de lirismo por sua veia comunista incorrigível que a capoeira teria sido o primeiro partido político no Brasil...

Sem nossas justificativas politizadas, talvez teríamos que ter uma certa dose de expiação através de nossa consciência ou de valores morais mais profundos, mais humanos, mais crítico-reflexivos, mais corajosos e mais coerentes com nossos limites, até mesmo para estabelecer novos desafios no andar da carruagem do aprendizado da capoeira, para a própria capoeira, como novo marco de seu crescimento teórico, moral ou filosófico, ou simplesmente para que a Capoeira possa se soerguer rumo aos níveis mais elevados do conhecimento humano, alçando talvez o status de um conhecimento profundo e respeitável em todas as camadas das comunidades e até das elites pensantes do planeta.

Mas a capoeira não desenvolveu dentre seus praticantes como lema natural essa ponderação, esse cuidado com os limites do ego. Isso parece antes ser parte das reflexões desnecessárias de pensadores orgânicos da capoeira... Felizmente muitos estão se alinhando a essa proposta, visando ampliar as produções filosóficas na capoeira... Proposta em primeiro plano deste blogg aqui...

Quero deixar claro que todas essas reflexões estão fechadas, sempre, através de uma interrogação.

Resolvidos em nosso problema egóico, poderemos crescer em nossa aceitabilidade e no respeito social para conosco, os capoeiristas, seres extremamente competentes em sua emancipação crítico-reflexiva, cujo limite é produto talvez e exclusivamente da falta de novos horizontes para percorrer ou novas perspectivas para a ascensão de nosso espírito de guerreiros para os umbrais de uma maior competência espiritual...

Mas admito por uma conveniência estratégica e pela produção prévia de um álibi para as minhas reflexões inconclusas que o tema é muito delicado.

É como cortar na própria carne com o requinte de um estripador, a gente ter que remoer coisas como os efeitos negativos da capoeira, ainda que estejam sendo tratados com o firme propósito de elevar os níveis de nossas percepções e nossa relação com a arte da capoeira e o mundo em que nos cerca, tanto o que nos coloca dentro dela, como o mundo em nossa volta, ou como também a volta do mundo, como dissemos quando nos referimos ao andar da capoeira em seu mundo simbólico e físico, no crescimento de sua técnica, de seus conhecimentos, de seus praticantes e defensores, e na sua ocupação de espaços, que já nos surpreende e muito... Mas queremos mais... como disse Toni Vargas em seu trabalho junto com Nestor Capoeira: queremos que a capoeira vá para fora do planeta...!

Também vale recorrer ao Mestre Pastinha, quando ele dizia que o “seu fim é inconcebível ao mais sábio dos mestres”, acredito que se referindo ao conjunto das possibilidades que a capoeira abriga, dentro e fora da roda...

Pela complexidade do tema, que já havia iniciado com o meu texto A faca de dois gumes do ego na capoeira, passei muito tempo buscando uma maneira de lidar com isso e não ofender ninguém. Mas infelizmente parece impossível!

Muito difícil é controlar essa onda eterna de egos comandando as coisas!

Mas vamos seguindo...

__________________+++++_______________

(continua...)

sábado, 5 de junho de 2010

Capoeira & Educação: Em busca de um diálogo interdisciplinar















“A capoeira é amorosa, não é perversa.
Capoeira é mandinga de escravo africano no Brasil.
Um costume como qualquer outro.
Um hábito cortês que criamos dentro de nós.
Uma coisa vagabunda.”

Mestre Pastinha



Este texto foi desenvolvido através da adaptação de insumos extraídos do livro Escola, o Terceiro Grau da Capoeira, ainda não publicado, de minha autoria, cuja intenção é subsidiar o debate entre os universos da escola formal e da instituição da capoeira, representada nos grupos e nas linhagens tradicionais da capoeira, sendo linhagem um termo que visa atribuir uma orientação das escolas de capoeira, ou seja, as filosofias adotadas enquanto organização, preceitos de trabalho, filosofia de aprendizado, tradições, rituais seguidos na realização de rodas e eventos, entre muitos outros aspectos que se convertem uma escola própria de cada uma dessas linhagens e suas variantes.

Muitos insumos também são obtidos da vivência dentro do universo de debate em torno de tão estimulante tema: capoeira na escola, capoeira e a escola, capoeira versus escola, educação e capoeira, capoeira como parte de uma educação integral, enfim... Infinitas abordagens que o tema permite.

Assim, embora tantas outras possibilidades existam para a abordagem desse debate, irei privilegiar alguns approaches que foquem potenciais inerentes à capoeira enquanto instituição que lida com práticas culturais, educacionais, sociais, morais, éticas, desportivas, corporais, etc. Logicamente com um universo tão rico de possibilidades, tivemos que privilegiar alguns desses aspectos para focar nesta nossa interação inicial.
Os desdobramentos são tão amplos quanto o tempo e a importância que se dê ao tema... Sendo presumível que não existe limite para tal debate.

Sabedores que temos um tempo limitado para essa discussão inicial, trouxe dentre os insumos deste texto alguns elementos que permitam ilustrativos subsídios quanto ao potencial de suporte mútuo entre a capoeira e a educação, num sentido tanto quanto no outro.
Também entendemos como oportuno anexar um discurso proferido na Câmara dos Deputados, justamente debatendo a questão da capoeira e a educação como temas recorrentes e da maior importância para o povo brasileiro.

Fundamentos Didáticos na Capoeira

A capoeira, enquanto disciplina didática e pedagogicamente alinhada possui em seus conteúdos, já estando inserida no debate acadêmico de nível de pós-graduação e o acervo disponível decorrente de sua produção até o momento, possui no seu bojo recursos excelentes, bastante ricos em abrangência e forma sendo, portanto, pertinentes ao objetivo a que se destina, qual seja, sua flexão e reflexão sobre as dimensões crítica, construtiva e integral como matéria do ensino de educação física, esporte educacional ou ainda como foco de interesse temático para estudo em outras disciplinas, como a História, Artes (dança, teatro, fotografia, etc.), Sociologia, Antropologia, Política, Fisiologia do Esporte, Psicologia.

Tangencialmente já temos sabido de estudos envolvendo a capoeira em outras disciplinas, como a Matemática, o Português e a Música.

Se considerarmos, ainda, o potencial da Capoeira como produto e como gerador de elementos didáticos e pedagógicos para uma escola em qualquer nível, perceber-se-á que os ajustes naturais e uma adaptação espontânea serão parte da sua dinâmica expansiva e por isso poderemos ir adicionando diversos outros aspectos que deverão fluir desses conteúdos dentro da sua evolução e maturidade.

Particularmente os impactos mútuos que se darão entre a capoeira e a educação física, vez que a prática capoeirística possui suas esferas simbólicas, contendo rituais e valores, explodindo através de uma alquimia urbana, propagada através de uma publicidade subliminar oralizada que responde às angústias, desejos e ansiedades de uma geração inteira de consumidores, crianças, adolescentes e jovens, senão mesmo os adultos e clientelas especiais (excepcionais, deficientes físicos, terceira idade, e outros) – caso seja abordada sob as opções adequadas a cada público.

Por outro lado, a educação física, enquanto disciplina de tantos recursos didáticos e pedagógicos peculiares, particularmente por suas metodologias cientificas sempre planificadas, suas abordagens criteriosas e adequadas do ponto de vista etário e psicológico – estratégias de superação de deficiências específicas, através de exercícios localizados ou estímulos fisioterapêuticos, dinâmicas de grupo, além da fusão que desenvolve, através de práticas interdisciplinares, o que a enriquece sempre muito e a torna uma disciplina dotada de tão espontânea adesão dos alunos.

Existe uma natural reciprocidade entre as duas disciplinas e isso se torna algo profícuo e complementar, acrescentando a ambos os insumos positivos e uma série de expansões de seus recursos inatos.

A escola tanto quanto a capoeira fazem parte dos espaços complementares da vida social - particularmente pela sua contribuição à esfera da formação e ampliação da consciência crítica das comunidades-clientelas, sendo sempre parte no debate/competição social representado pelos grupos, o que também pode ser visto como capaz de atuar na dialética do movimento histórico e político de ambas as disciplinas.
Inevitavelmente estará aí recorrente uma luta de cunho material e econômico, ético e moral, bem como da sempre presente dicotomia social pela convergência dos pares em contraposição à divergência e competição naturalizada para com os outros, num debate que poderá se prolongar por períodos imponderáveis de tempo.

Essa xenofobia é recíproca e faz parte de um cenário comum entre as disciplinas vivas nas próprias universidades, em grande parte questões de natureza política e implicitamente aspectos materiais e do poder econômico por trás do debate: farinha pouca o meu pirão primeiro, como reza a sabedoria popular.

Nesse sentido vemos que a Escola terá que entrar e debater esses conflitos, mesmo se considerarmos que ela, hoje, na sua atuação de educação geral ainda não resolveu - quiçá o possa algum dia fazê-lo, seus próprios e internos problemas, sendo visível que está ainda longe de superar muitos de tais desafios frente a percalços de natureza sócio-econômico-político-cultural, inerentes a sua situação geral, que lida com as suas diversas crises e dimensões sociais.

Já estão presentes na escola outros tantos conflitos sociais e o que temos visto é recrudescer cada vez em maior número, exemplos de fatos em que explodem essas questões, diversas vezes de forma drástica e dramática: sob o impulso primevo da violência mais absurda, que tem registrado mortes e outras formas mórbidas de agressões fatais. Vale citar e destacar o já conhecido e reconhecido fenômeno do bulling é outra dessas patologias sociais em franco desenrolar nos espaços das escolas.

Do lado da capoeira não é diferente.

Diversos processos competitivos sempre fizeram parte do dia-dia da capoeira, entre eles questões de competição de natureza sócio-econômicas e de poder, como é o caso das federações, ligas e confederações, que disputam o direito de representar a capoeira desportiva, junto às instâncias oficiais, como o Comitê Olímpico Brasileiro – COB, Ministério do Esporte, Ministério da Cultura, etc.

Os grupos de capoeira, estrutura de organização celular mais comum da capoeira institucionalmente representada, trás outras tantas questões e conflitos que se arrastam a décadas no Brasil, através do fenômeno que se caracteriza como uma síndrome das maltas que se manifesta através de diversas facetas, que vão desde a luta por espaços até aos conflitos violentos, dentro e fora das rodas de capoeira, lugar-comum da manifestação desses problemas.

Pode-se antever a capoeira na escola e sua inserção sociocultural no seio das turmas e classes, tornando-se assim parte do acervo psíco-sócio-cultural, passando a compor e a interferir na educação e no seu debate, parte de todo o cenário acima descrito.

Alguns aspectos podem ser discutidos das relações da capoeira com a educação e de seus possíveis papéis e funções, onde sua práxis pode tranquilamente ser visualizada interagindo como parte bastante efetiva de instrumento didático-pedagógico na Escola.

Alguns deles podemos analisar como se segue:

Como conteúdo na Educação física – a capoeira dispõe de recursos de aperfeiçoamento e de superação de dificuldades motoras, inatos em sua prática que, latu-sensu, pois isso se torna uma conseqüência implícita em sua prática continuada, atribuindo aos praticantes uma melhoria no domínio corporal, seja do ponto de vista do alongamento, flexibilidade, explosão, equilíbrio, agilidade, força, ritmo, resistência, além de um indiscutível ganho nas funções aeróbicas, anaeróbicas, muscular, cardio-vascular e, assim, na saúde de modo geral (Xaréu, 1990).

Componente do processo de Integração social – pelo fato de ser uma prática eminentemente coletiva, a capoeira torna-se num importante aliado no sentido da promoção da integração das pessoas e de sua solidariedade mútua e crescente. Uma energia social de grandes proporções é gerada na prática da capoeira e essa energia não deve ter sua importância, sentido e direcionamento desprezado. Essa energia, se bem canalizada e dirigida, torna-se um elemento catártico e altamente positivo no grupo. Um risco que daí decorre, é a reprodução dos grupos de poder (popularmente denominado de panelas) no seio das escolas, tornando-se, se levado ao extremo, num empecilho ou até mesmo numa deformação, haja vista a facilidade com que eclode a competitividade pela afirmação dos membros-adeptos dentro do grupo social e o conseqüente lado negativo daí decorrente.

Elementos lúdicos - uma importante corrente interpretativa da História da capoeira, a insere herdeira do bojo cultural do elemento afro, em sua perspectiva mais absolutamente original, extensiva em praticamente todos os modelos de vida social dos negros, considerados em toda a extensão de sua diáspora é a ludicidade, a brincadeira, folguedos ritualizados sob diversas formas e categorias, presentes no trabalho – as colheitas cantadas e dramatizadas dos negros americanos; as pescas cantadas e ritualizadas pelo Mestre-pescador – transformado inclusive no folclore da puxada-de-rede; enfim, teria sido um passatempo despreocupado e legítimo os primeiros passos da capoeira?
Muitas outras formas desse passatempo são encontradas em diversos folguedos e folclores de uma enorme diversidade de regiões no Brasil e mundo afora, e na capoeira isso também está presente – mesmo que tenhamos que considerar uma gama razoável de influências brancas hoje encontradas na capoeira que impactam esse seu potencial, o que, no entanto, não elimina suas características e potenciais lúdicos originais, particularmente se considerada a Escola como seu ponto de manifestação e prática.

Jogos e competições educativas – no percurso da prática e da História da capoeira, os seus elementos desportivizados seriam sem dúvida os mais privilegiados e utilizados como campeadores institucionais. Isso se dá principalmente pela vontade que muitos capoeiristas e mestres têm de ver a capoeira transformada em modalidade desportiva, seja pelo prestígio que o esporte goza dentro do interesse da sociedade desde os primórdios dos jogos gregos moderna, seja por ser esse aspecto algo capaz de reforçar a aceitação social da capoeira, seja, enfim, pela trilha organizadora que tal enfoque permite, a adequação da capoeira como modalidade desportivo-competitiva é indiscutível e isso se traduzirá sempre como um manancial didático-pedagógico explorável sob condições as mais diversas possíveis e imagináveis, dependendo exclusivamente da manutenção de um espírito educativo que tais competições devam manter .

Potencial interdisciplinar – a capoeira vem sendo estudada sob uma infinidade de disciplinas, entre as quais, só para citarmos algumas, encontramos: História, Sociologia, Antropologia, Arte, Música, Ecologia, entre outras e, embora não caiba aqui recortarmos as produções que essas áreas têm viabilizado na compreensão da capoeira, podemos perceber diversos usos-potenciais que as abordagens interdisciplinares revelam na capoeira, seja viabilizando a manutenção de uma grade de horários rica em atividades, seja permitindo uma incursão dos alunos por outras disciplinas e experiências.

Numa visão mais prática poderíamos sugerir experiências com pinturas, colagens e esculturas; pesquisas envolvendo a História, personagens e fatos que tiveram importância na vida social do País, que foram praticantes, admiradores ou estudiosas da capoeira (temos diversos registros de personalidades nacional e estrangeiras nessa condição); experiências com músicas experimentais – além da música típica utilizada na capoeira, experimentando outros tipos de instrumentos e efeitos sonoros obtidos pelos alunos; pesquisas, enfim, utilizando aspectos sociais, étnicos e antropológicos da capoeira e dos capoeiristas, que mantenham o interesse dos alunos dentro da disciplina e que fomente, da mesma forma, a sua aproximação com outras disciplinas dentro da Escola e da vida dos alunos.


(continua na próxima semana...)