Princípios básicos para o ensino da Capoeira na Escola
Como condições fundamentais para o desenvolvimento e o ensino da capoeira como atividade normal do currículo escolar, essa modalidade deverá ser orientada, entre outros, segundo os seguintes princípios: Princípio do não-recrudescimento de esporte-luta: por esse princípio, ficaria implícita ou explicitamente vedado aos professores da rede de ensino, seja oficial ou privada, incentivar ou permitir a formação de mentalidade ou filosofia de luta, estrito senso, dentro da atividade de capoeira.
As justificativas para tal empecilho seriam, particularmente, evitar-se o surto de agressão já tão amplamente presente nos meios de comunicação, particularmente a televisão e nos festivais de vale-tudo, além dos inúmeros aspectos envolvidos nos conflitos entre facções de alunos e entre colégios em praticamente qualquer escola de nossas grandes cidades, sendo já registrado o crescimento desse tipo de violência em cidades menores do interior do País. Alguns principios poderiam ser descritos e nominados da maneira seguinte:
Princípio da liberdade expressiva - Através desse princípio seriam estimulados os aspectos de personalidade corporal, criando elementos pedagógicos capazes de auxiliar os alunos a conviverem com a diversidade, com a originalidade - que na capoeira é discursada a partir da filosofia atribuída ao Mestre Pastinha - cada um é cada um - e que, na prática não é vivenciada, pois existe uma pasteurização visível na movimentação dos capoeiristas praticamente de todas as correntes atuais, não deixando margem para a autenticidade e, o pior, imprimindo a inviabilidade das pessoas com características peculiares ou quaisquer deficiências/limitações físicas, como obesidade, estatura muito frágil, algum tipo de resquício de doença ou enfermidade com conseqüências motoras ou outras formas de seqüelas;
Princípio da desvinculação de grupos ou facções: Pode parecer óbvio que isso seja seguido e, no entanto, com o que já proliferou pelos projetos de implantação da capoeira nas escolas, já foi seguido, via de regra, outro caminho, sendo esses projetos imediatamente incorporados aos grupos aos quais pertencem os professores ou responsáveis...
A capoeira na escola se destina à prática educacional e, como tal, deverá estar distinta da atividade de natureza comercial ou desportiva, estrito-senso de filosofias específicas ou fundamentos coordenados segundo blocos de praticantes. Na escola deverá primar a capoeira como esporte educacional e, como tal, não deverá haver conexões às competições e rivalidades existentes entre os grupos, independentemente de quais linhas forem, pois assim se tornarão comprometidas suas bases com as mesmas do grupo original dos professores, e serão, enfim, partes desse grupo, sem independência filosófica e pedagógica portanto!
Principio da preservação e estimulação do caráter crítico-reflexivo: A capoeira possui uma dimensão de interpretação crítico-política, que a torna um componente imprescindível para a capacidade de formular reflexões históricas, contextualizadas com a nossa própria identidade cultural. Assim sendo, sabendo-se que esses processos críticos são de grande impacto na formulação e construção do caráter das pessoas, a capoeira, enquanto agente de ampliação da consciência e da formação de uma base crítica aos seus adeptos, particularmente quando em fase de formação de sua consciência sócio-cultural, como é o caso das crianças e dos adolescentes, deverá ter como pilar a possibilidade de promover e despertar tais elementos.
Adequação Técnica do aprendizado de Capoeira na Escola
Amigos, o corpo é um grande sistema de razão, por detrás de nossos pensamentos acha-se o Sr. poderoso, um sábio desconhecido...
Mestre Pastinha
As questões relativas aos fundamentos técnicos na capoeira são temas muito escassamente tocados, a não ser superficialmente, dentro de um contexto sempre mais amplo e onde muitos outros de seus aspectos, tanto teóricos, quanto filosóficos ou práticos são abordados.
Assim, nos estudos produzidos para e pela capoeira, esse substantivo de origem grega , a palavra técnico encontra-se dentro de uma limitada produção conceitual e teórica, embora seja muito naturalmente inserida dentro do debate capoeirístico, mesmo que sujeita a uma certa imprecisão, ambigüidade ou a uma gama muito ampla de abordagens, muitas vezes discordantes, como é natural no caminho de todos os estudos e pesquisas emergentes, dado que é possível se encontrar um sem número de possibilidades de sua aplicação, independentemente da corrente ideológica ou teórico-conceitual em que esteja inserida a discussão.
O uso do conceito técnico, ao que se pode verificar em autores estudiosos da corporalidade, está associado normalmente ao processo de aperfeiçoamento para a obtenção de melhores resultados e desempenhos, previsto como um pressuposto, ou planejado racionalmente pelos praticantes de atividades físicas e motoras, tendo em conta a superação de concorrentes ou de dificuldades intrínsecas ao labor desportivo ou às atividades físicas, genericamente falando.
Assim, portanto, nos parece fundamental, restringir primeiramente o conceito, definindo que sua aplicação se aplique estrito senso a um objetivo que dialogue com a racionalidade funcional e com alguns outros insights comumente presentes na capoeira, não tendo a pretensão de abranger a totalidade de sua aplicação, dada a abrangência e a própria diversidade dos enfoques possíveis, quando tratamos da capoeira.
Além disso, poderemos ainda, à guisa de uma exemplificação dos aspectos eminentemente práticos das técnicas encontradas na capoeira e, também de maneira pontual e ilustrativa, repassar alguns aspectos históricos discutidos ou percebidos na análise evolutiva do conhecimento e dos princípios técnicos da capoeira em sua trajetória emancipatória enquanto campo de conhecimento autônomo.
Fragmentos Teóricos da questão Técnica
Na nossa busca por elementos conceituais aplicáveis, mesmo que com alguma margem de arbitrariedade, encontramos, por exemplo, a definição de técnica, como sendo “specific detailed method of executing an action of the body” (Canhan, p.449), que reduz o conceito a uma aplicação especificamente motora, naturalmente respaldada por uma objetividade promovida e racionalidade para o desempenho olímpico, onde cada competidor tem que obter um desempenho minucioso, por mais ínfima que possa parecer a diferença em relação aos outros competidores.
Trazido para a capoeira, esse princípio não seria tão ampla ou imediatamente válido e aplicável, considerando a assumida identidade holística que encontramos valorizado na expectativa de êxito presente na capoeira, ou enquanto definição de proposta ou medida de sucesso nela latentes, embora pudéssemos reconhecer a validade de tal diretriz como balizadora de um potencial qualificador do desempenho capoeirístico, talvez ainda não atingido ou visado no estágio atual de refinamento teórico-prático da capoeira.
Num outro exemplo, encontramos a afirmação: “é um esporte que margeia a arte; a busca da performance, de controle neuromuscular e senso rítmico, o equilíbrio total do corpo e uma postura correta e saliente são as principais características dos que praticam a ginástica olímpica” , donde poderíamos extrair alguns fragmentos e, pelo menos em parte, tomar o conceito e aplicá-lo à capoeira.
Senão, vejamos: A capoeira indiscutivelmente margeia a arte. Ou melhor, a capoeira é uma arte de onde derivou – pelo livre arbítrio de sua prática e recriação histórica (Zulu, 1995), sua desportivização e, portanto, seu acervo conceitual e técnico.
A busca da performance tendo em conta premissas estéticas estão hoje associadas às praxes capoeiranas, o que, juntamente com o controle neuromuscular e o senso rítmico formam um conjunto de premissas e de expectativas de padrões técnicos e expressivos de seu desempenho. Existem dificuldades para a definição de conceitos como o equilíbrio total do corpo, o qual, no caso da capoeira, nos pareceria mais adequado se dito como equilíbrio circunstancial, ou seja, para o capoeirista o equilíbrio tem uma destinação operativa e vital como parte de sua técnica dinâmica, tendo em conta sua relação dialética com outro parceiro/adversário, que irá explorar seu domínio técnico corporal sobre esse mesmo equilíbrio.
O equilíbrio e o espaço enquanto técnicas e fundamentos de suporte ao desempenho capoeirístico, trazem a saga fundamental da competição capoeirística, ainda que lúdica, pois mesmo os mais restritivos divergentes dos grupos de práticas capoeirísticas de algum modo dialogam em torno dessa premissa, desse objetivo, dessa competição de amigos, que seja. Ou seja, mesmo totalmente lúdico, o jogo de capoeira traz a disputa pelo espaço e pelo equilíbrio como foco da pontuação simbólica, entre seus contendores.
A questão da postura, também, oferece algumas distinções no que tange a capoeira, mesmo registrando que segundo algumas correntes ou vertentes dentro dela existam algo normalmente denominado de postura correta, isso contraria um dos fundamentos basilares da capoeira que é a criatividade!
Ou seja, o fato de se definir algo como correto pressupõe a existência de seu reverso, e, portanto, de algo que seria a priori errado, equivocado ou deficiente e nisso residiria um ponto de tensão entre correntes que são favoráveis à espontaneidade expressiva em confronto com idéias calcadas em princípios técnicos padronizadores do desempenho capoeirístico.
É fato, porém, que na capoeira a discussão da postura abrange a ginga e, nesse caso, a questão da eficiência técnica tomaria outra dimensão, uma vez que deixaria a esfera estética e adentraria o terreno competitivo, ou pelo menos mais plausível, por envolver a competição entre adversários, onde uma ginga passa a ser comparável com outra, caracterizando-se como o mais elementar fragmento da técnica capoeirística: o jogo da capoeira e, com isso, a comparável capacidade de cada um!
As questões ditas técnicas na capoeira passam, para permitir um diálogo com a sua veia desportiva, ainda em sua maior parte por ser definida e estudada, frente aos conceitos mais atuais de dinâmica autonomizada pelo diálogo que a capoeira propicia, seja pela parceria, típica de algumas modalidades de competições, seja através da busca do melhor desempenho, julgados ambos os modelos por meritórios jurados, mestres antigos e considerados como ícones de credibilidade de competência...
Os modelos de competições de capoeira foram escritos a partir das experiências dos JEB’s e trazem até hoje as mesmas características, a busca do maior e melhor fundamento ao lado do melhor resultado global, nisso caracterizando-se o ritmo, a beleza da movimentação, a maior capacidade de definir o jogo, no que já foi entendido como modo de pontuação objetiva, mas sempre se buscando atender aos requisitos da melhor tradição.
Finalizando quanto aos objetivos de uma pequena análise da capoeira enquanto questão técnica e competitiva, cabe registrar a importante contribuição que o Dr. Cláudio Queiroz, na capoeira conhecido como Mestre Cláudio Danadinho, PHD e titular da cadeira de arquitetura da Universidade de Brasília, sempre destaca em seus debates com as questões da capoeira: a capoeira tem o sentido da brasilidade em sua filosofia de existir e competir.
Assim como o jogo de frescobol que acontece nas praias brasileiras, ninguém precisa vencer; o tempo de duração do jogo não precisa ser definido ou cronometrado; a maioria das vezes não é definida, as regras são normalmente implícitas e raramente discutidas; além disso não existe a marcação de pontos no sentido específico e comumente adotado em outras modalidades...
A capoeira está mais preocupada com a felicidade dos competidores, na verdade parceiros e o resultado do jogo é sempre colocado em segundo plano, não sendo do interesse da maior parte das comunidades capoeirísticas, salvo a capoeira federada, pretensamente candidata aos espaços de esportes de auto-rendimento. Sonho de muitos defensores dessa bandeira, visando a sua escalada no podium dos esportes olímpicos oficiais algum dia.
(continua brevemente...)
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