segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Um novo dia para lembrar Onça Tigre!!!


Hoje, dia 16 de novembro de 2009, uma segunda-feira qualquer, sem nenhuma importância sensacional, nenhuma data nacional, um dia banal, igual a tantos outros, a não ser pelo fato de que ao falar do filme de Besouro me lembrei de Onça-Tigre, outro herói anônimo de nossos guerreiros-capoeira, que cresceu e desapareceu no limbo de nossa mitologia não realizada, não consumida plenamente pela absoluta falta de espaço ou de um mural, onde possam ser expostos os nossos grandes guerreiros...!
Onça Tigre, para quem o conheceu se tornou e sempre será lembrado como um desses grandes heróis nacionais, ainda desconhecido da maioria, principalmente porque tinha em sua trajetória dois grandes limitadores para que pudesse ser devidamente reconhecido:
O primeiro era porque viveu muito e contou ele próprio sua História pessoal, para tantos quanto tiveram esse privilégio, demonstrando muitas vezes como foi que fez os movimentos, os ataques ou as defesas que se tornaram para nós célebres! Ora, um herói que conta ele mesmo suas estórias, se torna muito incipiente enquanto fato...! Ninguém gosta muito de ouvir alguem contando estórias como quem contasse vantagem e Onça Tigre parecia isso, parecia - aos incautos - alguém que contasse vantagem! Isso foi um dos pecados que ele cometeu e que tornou de importância menor as suas façanhas...
A segunda e importante razão para que ele se tornasse alguém desconhecido, era porque ele, tendo sido braço direito do Mestre Bimba na construção das técnicas da capoeira regional, não era baiano, nem era negro de pele...! Aí se tornou muito dificil para ele ser reconhecido por aqueles historiadores, ou mesmo dos contrutores das fábulos incríveis que povoam o universo simbólico e heróico da capoeira...
Esses dois "defeitos" fizeram com que o Mestre Onça Tigre, cujo nome dado pelo próprio Mestre Bimba, significa a sagacidade da Onça na força de um tigre, dando uma primeira idéia - a quem não teve a felicidade de com ele conviver e ouvir suas estórias fantásticas - do tipo de homem que ele foi!
Onça-Tigre, junção dos atributos utilizados na capoeira por diversos capoeiristas célebres, muitos deles bastante conhecidos da capoeiragem outros nem tanto, como Jair Filhote de Onça, outra grande figura dentre os alunos do Mestre Bimba; Onça e Oncinha, filhos de nosso respeitado Mestre Joel, radicado em São Paulo, que se tornaram verdadeiras lendas nas rodas da grande cidade, nosso admiradíssimo Mestre Onça-Negra, filho adotivo de Mestre Bimba, que tem sua presença nas melhores rodas e eventos, sempre marcada pela sua competente capoeira, sua impressionante capacidade de lidar com o atabaque e toda a sua simpatia; entre tantos outros que tiveram essa competência de serem nominados "onça", entre eles, no entanto, figura um que além de onça era também tigre... Onça-Tigre!
Para iniciar parte das estórias do Mestre Onça-Tigre, vou lembrar uma de suas mais entusiásticas narrativas, que foi
A Saga de Onça-Tigre frente aos Mariners americanos na 2a. Guerra Mundial
Em meados da década de 30, do século XX, Onça-Tigre recebeu a visita de um amigo e conterrâneo de sua cidade natal, Mossoró, Rio Grande do Norte, o qual estava em profunda depressão, por ter perdido o grande amor de sua vida!
Nesse tempo, as depressões masculinas eram "curadas" no cais do porto, onde residiam os melhores "remédios" de então, bares noturnos, cerveja gelada, música boa, ótimas prostitutas e um bom amigo como guia, nesse caso Onça-Tigre e seu camarada que estava vivendo a desventura e o sofrimento...
Tudo ia bem na noite, até que surgiu uma confusão entre um marinheiro americano e um outro, inglês, ambos servindo em navios atracados no porto de Salvador, mas contando com a devida dose de animosidade entre os cidadãos de diferentes países...
O marinheiro americano, após uma breve discussão com inglês por causa da disputa pela companhia de uma prostituta, parte para um confronto pelas vias de fato e soca violentamente o marinheiro inglês, que junto com seu pequeno grupo de amigos é obrigado a deixar o recinto, deixando o americano bastante envaidecido com sua vitória inconteste!
Até o ponto em que ele tenha derrotado o inglês não incomodou ninguém, a não ser os ingleses que tiveram que sair corridos do lugar, mas o americano começou a abusar de sua superioridade e decidiu que a orquestra só iria tocar música americana naquela noite.
Onça-Tigre que não era de aceitar esse tipo de arbítrio, resolveu comprar a briga e foi até a orquestra e pediu um samba ao maestro e chamou para dançar justamente a prostituta que havia sido o pomo da discórdia entre as armadas americanas e inglesa.
O maestre vacilou em atender o pedido para tocar o samba, mas Onça-Tigre o persuadiu com um cochicho no ouvido avisando que quebraria os instrumentos se ele não executasse o samba!
Convencido o maestro, restava convencer a moça que estava também muito assustada com a idéia de continuação na confusão a que já havia se envolvido...
Mas Onça-Tigre era um gentleman e demonstrou a moça que não a envolveria, e que queria apenas que o americano tentasse impedir que o samba fosse executado e conversaria com ele, longe dela para que a mesma não fosse prejudicada no entrevero...
Acertadas as condições iniciaram bailando no salão, quando o americano se dirigiu ao maestro que apontou o autor do pedido do samba, logo ali, no meio do salão, único par de dançarinos que ousavam tal feito.
Aproximando-se do casal, o americano não queria muita conversa, mesmo porque o seu idioma não ajudava muito a argumentar a questão da dança, da música e de sua autoridade internacional ali no recinto.
Foi direito ao assunto, tentando golpear Onça-Tigre com um soco direto, demonstrando suas habilidades de boxeador, além de seus quase cinquenta centímetros mais altos que Onça Tigre.
Com sua altura de no máximo 1,60 metros, ele pareceu ao americano ser um vítima muito mais fácil que o marinheiro inglês, que ja havia sido derrotado. Ledo engano!
O americano desconhecia a capoeira pesada que Onça-Tigre jogava!
A tentar golpear o baixinho brasileiro, ele se expos o suficiente para tomar uma "trocadilha de joelho" que era um dos golpes preferidos de Onça-Tigre, representado por uma joelhada surpreendente no plexo solar do marinheiro norte-americano, o qual diante do traumatismo provocado pela joelhada não teve como não se curva com ambas as mãos na altura do estômago.
Nesse momento o que já parecia um atropelamento virou uma tragédia digna dos filmes que mais tarde passariam a ser feitos pela violenta indústria holiudiana, pois o capoeirista brasileiro ainda deu um segundo golpe no mariner, dessa vez em pleno rosto, desfigurando totalmente sua face até então cheia do seu orgulho de boxeador competente.
Ao segundo golpe, nada mais restaria ao estadunidense que cair fatalmente ferido, sangrando muito e provocando uma comoção no local, primeiramente nos seus companheiros de mesa, outros tres marinheiros, que também vieram em cima de Onça-Tigre decididos a cobrarem alto pelo que fizera ao companheiro deles...
O próximo a se aproximar não sabia direito o que fazer e tentou se atirar sobre o baixinho capoeirista, desconhecendo outra de suas artimanhas: o balão de cintura!
Onça-Tigre o projetou com a mesma velocidade em que o mesmo veio sobre ele rumo à escada do estabelecimento!
O amigo marinheiro desceu rolando de maneira pouco organizada as escadas de madeira, chegando ao final da mesma já completamente desmaiado e cheio de ferimentos visíveis e provavelmente muitos traumatismos internos, ficando ali mesmo apagado!
Um terceiro mariner ainda tentou também entrar na dança e salvar a honra da marinha norte-americana, mas foi violentamente jogado pelo tigre dentro de um armário guarda-chapéus e guarda-chuvas, ficando também lá dentro com as portas fechadas por Onça-Tigre!
O local virou uma confusão generalizada, com todo mundo correndo, ou para fugir ou para entrar na briga, quando alguns outros soldados brasileiros que ali estavam reconheceram o então tenente do CPOR baiano, tenente Carvalho (Milton Freire de Carvalho, o Onça-Tigre) e ofereceram sua ajuda para botar os demais estrangeiros para fora do recinto, carregando consigo os seus companheiros derrotados, sagrando muito e ainda desmaiados!
Dia seguinte os jornais da capital baiana trazia a manchete devidamente imparcial: "marinheiros americanos espancados por capoeiras", contando que alguns deles tiveram que voltar as pressas aos Estados Unidos para receberem socorro e tratamento médico.
Mestre Bimba com seu jornal debaixo do braço encontra Onça-Tigre e lhe sorri discretamente: "foi voce, né, Nirto!? eu sei!"
Onça-Tigre balança a cabeça confirmando a hipótese do mestre. Ele havia reconhecido a joelhada, e acreditava que somente uma pessoa era capaz de dar tal resultado em um golpe de trocadilho de joelhos: Onça-Tigre.
Esse é o grande Onça-Tigre em uma de suas estórias.
Vamos contar outras! Vamos sim.
Vamos registrar essas estórias, para que mais tarde elas possam ser História. Relacionando os grandes mestres que a capoeira tem produzido em sua história discreta. Subterrânea à história oficial. Longe da verdade da mídia. Longe do interesse das forças dominantes de nossa socidade.
Mas do maior interesse para quem quer saber dos heróis do povo, guerreiros capoeiras. Anonimos lutadores na voltas do mundo!
Yêh, viva Onça-Tigre, camará!!!
Mestre Skisyto

domingo, 15 de novembro de 2009

Besouro, o filme e a volta de fundamentos esquecidos!


Tivemos semana passada uma sessão inaugural do filme Besouro, Nasce um herói, dia 12 nov, no Museu Nacional de Brasilia, promovido pela Fundação Palmares, com a presença do Ministro da Cultura, Juca Ferreira, além de diversos atores e o diretor do filme.
A sessão do filme foi precedida por diversas matérias produzidas pela Fundação Palmares, versando sobre temas relacionados com as ações da cultura popular e em particular questões da cultura negra, diversas pequenas matérias, tratando das ações do MINC e da própria Palmares.
Antes da apresentação do filme, houve a fala do Ministro Juca e do Presidente da Palmares, que falavam rapidamente sobre a importância do filme para a atual busca da valorização da cultura negra, da política de diversidade do Governo Lula e em particular para a capoeira, já que o filme traz um dos maiores mitos de todos os tempos no mundo da capoeiragem...
Depois do filme, houve um debate com o diretor do filme e alguns dos principais atores do filme.
O debate, na verdade, terminou por ser um momento de longos esclarecimentos do diretor do filme, que praticamente dominou quase oitenta por cento do tempo da conversa.
Bastante empolgado, o diretor João Daniel Tikhomiroff, passou um impressão de estar muito satisfeito com o filme e com todos as críticas que tem recebido.
A expectativa de um grande sucesso no mercado de cinema nacional - e em seguida internacional - o João Daniel espera que os direitos do filme não tenham o mesmo fim de outros filmes brasileiros, que tiveram que ser vendidos para empresas estrangeiras, perdendo assim o seu lastro no circuito mundial... lamentavelmente esse tem sido o fim de muitas outras produções nossas, que depois de alçarem algum voo mundo afora, não tiveram como ser sustendada sua trajetória no exterior, redundando na venda de seu direito a empresas e grupos internacionais...
O filme em si, é uma fábula em torno do famoso capoeirista do recôncavo baiano, que virou o maior de todos os mitos da capoeira, tornando-se o mais famoso dos capoeiristas de todos os tempos...
Sem preocupações com as bases históricas que um documentário exigiria, o filme é um romance brasileiro em torno da trajetória de lutas contra a escravidão em uma de suas versões conhecidas, representada no caso, no poder absoluto dos senhores coronéis de fazendas e seus auxiliares, mais conhecidos no nordeste como jagunços...
Enquanto filme destinado ao público em geral, tanto agradou, quanto desagradou aos capoeiristas, divididos entre os que entendem que o filme devia ser mais fiel ao personagem, o que faria do mesmo um documentário, e não um romance, tanto quanto os que entendem que a parte de capoeira não foi fiel ao que seria a capoeira no contexto histórico em que o personagem viveu, pelas coisas modernas, movimentos, golpes, toques de berimbau, que a capoeira jogada no filme revela...
Para a felicidade geral da nação, o público em geral não tem a mínima idéia em relação a essas questões e o filme pode perfeitamente se tornar o primeiro grande sucesso de bilheteria de um filme versando sobre a capoeira e sobre a questão racial e escrava no Brasil...
Não somos muito bons em História do Brasil e por isso muito poucos de nós saberia discorrer sobre a realidade que se nos acercou nos anos que se seguiram à Lei Áurea, para ser honestos com a nossa memória nacional, mesmo nos anos muito mais recentes não temos claro o que se passou - ou ainda se passa - nas estruturas escravistas pós-modernas que ainda temos, quanto mais entender ou saber o que se passou no nosso mundo rural no inicio do século passado...
Isso tudo contribui para que o filme seja, de fato, uma oportunidade para muitos de nós refletirmos sobre a nossa dívida para com os afro-descendentes, negros escravos e seus descendentes, os modelos de relações que existiram durante anos a fio, que se seguiram ao fim da escravidão... Liberdade era e em alguns casos ainda é, uma ilusão didático-política que acabou por criar um outro mito entre nós, o mito da democracia racial...
Nós passamos a negar qualquer tipo de discriminação, de preconceito ou de racismo em nossas relações sociais.
Besouro como o continuador da luta política de seu mestre, busca plantar as sementes da resistência e da luta de classes no seio das relações trabalhistas dos anos 20 no secúlo XX nos rincões rurais do Brasil, usando para isso a capoeira, que no caso se torna um instrumento de luta guerrilheira, mesmo que o nosso herói lute sozinho, protegido pelos seus Orixás, trazendo em outro plano temático do filme, a liberdade religiosa, também vitima de tantas opressões, de tantas repressões e de tantos preconceitos...
Na verdade, indiscutivelmente, o filme Besouro, Nasce um Herói, se torna um novo motivo para tentar demonstrar aos investidores (no filme são mencionadas mais de uma dezena deles...). aos produtores, aos distribuidores de filmes no Brasil, e em ultima análise até mesmo ao grande público que frequenta e consome cinema no nosso País, que temos sim heróis no seio de nossa história não documentada do nosso povo e que temos sim, além da própria História oficial, muitas razões para desconfiarmos das versões enlatadas de nossa história conformista e submissa a personagens alienígenas, rambos e aranhas super-poderosas, que nos faz esquecer nossa própria identidade e nossa História, cheia de ricos fatos, personagens, mitos, gênios, lideres do povo, lutadores, guerreiros, estórias encantadas de nossos seres divinizados em nossa espiritualidade de raíz afro-brasileira...
No meio disso tudo, viva Besouro! que além de herói nacional, acaba por nos lembrar que um dos fundamentos de qualquer arte profunda é se util a alguma causa, nesse caso, a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a dignidade de nosso povo, nossos mitos e nossa descendencia negra!
Viva Besouro! Viva Zumbi! Viva o negro brasileiro, fundador de nossa cultura popular!
Ah, sem esquecer jamais: Viva a Capoeira, que até hoje nos liberta e ainda ajuda a libertar irmãos do mundo inteiro!!!!

Caminhando pelas entrelinhas da roda e da vida!

Camaradas, amigas e amigos da grande roda da vida!
Estou inaugurando este espaço aqui na esperança de depositar nele um monte de fragmentos de idéias, de vivências, de experiências, de momentos e de muitas outras coisas, extraídas da mente, do coração e da minha alma de capoeira...
Tantas vezes eu vejo que as coisas se esvaem ao sutil andar da carruagem do tempo, momentos sem cronometro que vão alimentando os ponteiros da vida, tantas vezes sendo desperdiçados pela falta de um canal onde compartilha-los com amigos e outros praticantes, admiradores, estudiosos, patrocinadores, enfim, um publico sem a menor possibilidade de ser definido ou limitado, pois a capoeira, como bem o disse o nosso fabuloso pensando Mestre Pastinha, tem seu princípio acessivel a qualquer principiante e o seu fim inconcebível ao mais sábio dos mestres...
É ir remando as idéias e o piscar dos olhos, captando fragmentos dessa arte incontível, incontável, imponderável, ilimitada, infinda e infinita...
Quero partilhar os insights que me assaltam a alma inquieta de capoeirista e tentar contribuir para que essa nossa arte seja sempre algo do que se possa acrescentar uma coisa a mais!
Na mais humilde das intenções, camaradas, eu convido vocês a entrarem comigo nessa roda e jogar o jogo dos bits e dos bytes nesse mundo cibernético sem fronteira e sem limites...
Meu abraço e minha gratidão a quem me der a honra de investir sua atenção nessas mal traçadas linhas...
Axé!!

Mestre Skisyto