segunda-feira, 27 de julho de 2015

As sete águas de beber da capoeira atual

Este texto é continuação do artigo iniciado no dia 22/julho/2015
ou siga o link abaixo:


A nova água-de-beber da capoeira

Continuação:




- Grupos – essa se tornou uma espécie de unidade-básica da organização informal ou não da capoeira; há um respeito e um consenso sobre essa forma de organização da capoeira e, neles, nos grupos, reside uma autonomia indiscutível praticamente, sendo os mesmos normalmente liderados por um mestre, contramestre ou graduados com outras denominações, essas entidades de fato, tantas vezes também de direito, são reconhecidas pela maioria dos capoeiristas como a sua estrutura real de organização, sendo que mesmo entidades com outras propostas, como federações, ligas, associações profissionais, sindicatos e outras formas de associação dos capoeiristas, quase sempre acabam por se auto definirem como “grupos”. Essa forma de organização está no consciente e no inconsciente coletivo da capoeira. É indiscutível, portanto, que essa forma de organizar e de representar a capoeira, considerando sua autonomia de forma, sistema de trabalho, técnicas e tradições fundantes, influencie fortemente a capoeira por tempo indeterminado, sendo sua mais forte e influente “água de beber” de cada linhagem de capoeira;
- Cultura Popular – hoje em dia denominada “cultura pop”, trata-se de uma constante pulsação que vem das populações de todos os recantos do Brasil e do mundo, sendo hoje e sempre a grande força que forjou a capoeira, lembrando que todos os estudos sobre a origem da capoeira, mostra sua gênese na fusão de diferentes culturas afro-brasileiras, que no contexto já urbano se tornou mais e mais relevante, basta olharmos por exemplo as músicas que eram tradicionalmente cantadas na capoeira, quase sempre tinham origem no cancioneiro popular da mesma época, algumas tem mesmo sua origem de difícil definição, se originarias da capoeira ou foram por ela incorporadas.
Logicamente essa força exercida pela cultura popular não estaria somente nas canções mais antigas, ela se encontra também no exercício do espaço público que a capoeira manifesta, tornando-se o “teatro popular” natural e, assim, fazendo parte dessa cultura popular lato senso. Nota-se também que a extensão da identidade cultural da capoeira reside primordialmente na cultura de povo, mormente o povo mais simples, de periferias e zonas de baixa renda. A capoeira é povo e, por isso, cultura popular. 
Mas, para resumir a noção de cultura popular na capoeira, teríamos que incluir os nossos Griôs da capoeira, os verdadeiros "gurus da oralidade", aqueles nossos Mestres e Mentores da capoeira, sem os quais a nossa água de beber nos deixaria sempre com sede, ao invés desse manancial infinito de jorra da sabedoria secular de nosso povo; 
- Globalização – a partir do momento em o primeiro capoeirista começou a circular fora do Brasil e levou com ele nossa capoeira, as coisas começaram a mudar para ela. E para todos que de algum modo sofreram essa influência. Ou seja, a grande maioria. A globalização se manifesta dessa e de várias outras formas. As imagens do mundo transitando em instantes, os movimentos culturais, novos atores e novos participantes da roda, mundo afora. Alguém tem dúvida de que isso se tornou uma variável inquestionável a influenciar a capoeira?
Segue...
- Mídia & Internet - esse fenômeno da comunicação global denominado internet se tornou algo que impacta praticamente todos os setores da vida planetária, atingindo qualquer reduto por mais distante que seja dos grandes centros, como é o caso das cidades do interior, seja no Brasil ou em qualquer outro país. Esse meio de comunicação, amplamente utilizado pela mídia também, se torna importante na medida em que compartilha e integra produções e pessoas dos quatro cantos do planeta, das mais diferentes línguas e dos mais diferenciados estilos de trabalho e de prática da capoeira. Esse meio se tornou tão importante, que fez com que houvesse os nossos representantes na mídia, ou seja, capoeiristas de ampla divulgação através da mídia, os quais se tornam a cada dia mais conhecidos como verdadeiras celebridades da capoeira no mundo todo.
Esses capoeiristas, sem nenhum demérito, são amparados por uma mídia mundial que os elege como grandes astros da capoeira, seja pela sua participação em cinema ou em outros meios de comunicação, como jornais, revistas, rádio ou televisão. Lá estão eles, os novos ídolos da capoeira, influenciando nossos praticantes mais novos e, tantas vezes, outros sem identidade própria, os quais, além da técnica que aprendem com seus ídolos, aprendem também uma série de fundamentos que vão se globalizando, criando padrões onde deveria haver estilo próprio de cada um.
Isso fere um antigo princípio aclamado pelo Mestre Pastinha, onde “cada um é cada um”, no qual o Sábio Mestre se refere à personalidade de capoeira que cada capoeirista teria, em sua época, sendo que nos tempos atuais, muitos traços são totalmente comuns aos nossos camaradas contemporâneos, ou seja, os que vivem sob a égide da temporalidade simultânea da mídia eletrônica e da internet, rede mundial que conecta pessoas, almas e verdades.
- Mercado -  a cultura mundial está hoje sendo regida pela chamada “economia da cultura”, ao lado, é claro, da “indústria cultural”, conceito sociológico cunhado pela Escola de Frankfurt. Esses dois conceitos tem um conflito deliberado. No primeiro, a economia da cultura, os atores que produzem ou gerem a cultura, buscam meios de sobrevivência de seus pares e espaços econômicos para sua produção.
Nessa categoria encontram-se fortes agentes que tem altos privilégios pelo custo atribuído a sua produção, como os bailarinos clássicos, ou os que tem espaço nas mídias televisivas, no cinema ou em teatros de custo alto e de acesso a uma pequena camada da população. No extremo oposto dessa comunidade de produtores culturais, os atores dessa economia estariam na camada da população simples, de baixa renda, os quais sobrevivem de parcos ganhos por seu trabalho de subsistência, como os cantores e artistas de rua, os cordelistas, os artistas de produção independente, etc.
E, nesse meio, naturalmente encontramos um grande número de capoeiristas, alguns dos quais fazem verdadeiras acrobacias, para viverem com seus ganhos singelos e de árdua batalha, fabricando e vendendo instrumentos; gravando vendendo de mão em mão seus CDs e DVD’s - seus ou de outros capoeiristas. Logicamente temos alguns ídolos da capoeira, como mencionei no tópico acima, transformados alguns deles em celebridades, que tem uma outra faixa de ganhos, cachês mais abastados, venda de sua produção através de meios mais sofisticados como a internet, livrarias, etc., nessa faixa estaria a nossa elite econômica, uma minoria privilegiada, naturalmente dotada de uma competência indiscutivelmente maior para fazer valorizar o seu trabalho, seu nome e sua produção.
Infelizmente, ninguém pode negar que o verdadeiro mercado da capoeira, está na manutenção da exclusividade da reserva de seus grupos compradores, ou seja, os alunos desses ídolos só compram a sua produção, bem como só pagam para assistirem suas aulas, seus workshops como passou-se a denominar os eventos de difusão de conhecimento de novas, técnicas, novos números e sequencias coreográficas ou acrobáticas. Nesses grupos de consumidores, encontram-se mercados intransponíveis a outros mestres, com raras exceções, caracterizando-se aí o que denominei “síndrome de malta”, grupos fechados dentro de si, onde ninguém sai, ninguém entra. Essas “fazendas” – termo atribuído ao próprio Mestre Bimba, referindo-se a alunos que pagavam pelas aulas, onde hoje essas fazendas são também compradores de instrumentos, de abadás, de camisetas, de cd’s, dvd’s, aulas, etc. Temos aí um incrível fomentador da prática e da difusão da capoeira, sua economia de mercado. Alguém tem dúvida disso??!!
Já a denominada “indústria cultural” logicamente também se apropria da capoeira, de algum modo, pois o consumo em massa de determinados produtos da capoeira, tem a mesma característica de qualquer outro produto de massa, como por exemplo os estilos de jogo totalmente padronizados, ou as mesmas músicas, cantadas em rodas da Groelândia, dos Estados Unidos ou do Japão: isso é a maneira como essa indústria cultural se apropria da capoeira e faz dela ou de parte dela, produtos de consumo de massa, igual a qualquer outro produto de produção em série.  
- Políticas públicas – fato é que a capoeira, de um modo ou outro vem recebendo alguma forma de incentivo por parte dos governos, seja o federal, o estadual ou o municipal. Isso acontece de diversas formas e em diferentes volumes de importância dada, dependendo mais do gosto e interesse dos gestores públicos do que de alguma forma de disciplinamento legal que a capoeira tem merecido.
É comum chegarmos em lugares distantes e ver a presença de autoridades municipais nos eventos de capoeira, a maioria das vezes que ofereceram ridículos apoios, como a cessão de espaços públicos para os eventos, ou o fornecimento de uma simples passagem para a participação de algum mestre convidado ou palestrante. Essas formas de influenciar na execução de um trabalho envolvendo a capoeira, tanto quanto na sua divulgação e extensão de presença nas estruturas de ensino ou de práticas desportivas ou culturais, obviamente, afetam em maior ou menor grau na capoeira, tornando-se assim uma forma de seu reconhecimento, na sua difusão, no sucesso e no maior ou menor impacto dos eventos de capoeira.
São essas, formas de influenciar, inevitavelmente, a prática da capoeira, havendo assim diferentes graus de resultado do trabalho dos mestres e dos professores de capoeira: seu grau de influência no poder público e no acesso que consegue a meios de insumos diversos, desde salários pelo trabalho do ensino da capoeira, até logística e insumos para a realização de ventos.
Há muito se busca formas de se ter políticas públicas transparentes e de grau e alcance regulamentadas, assegurando aos praticantes de capoeira, sua fatia dos recursos públicos. Isso muitas vezes não acontece porque a maioria que chega até algum recurso público, guarda o mesmo somente para seu próprio benefício, criando-se assim um delicado e injusto mecanismo de privilégios de alguns em detrimento do todo. Isso acontece nas esferas federais, estaduais e municipais. Os capoeiristas que souberem de algum desses favorecimentos, devem denunciar ao ministério público, pois todos temos os mesmos direitos. Se alguém está se beneficiando de relações pessoas com o governo de qualquer esfera, está cometendo crime de malversação de recursos públicos, prevaricação e favorecimento ilícito, todos esses previstos em leis. Se alguém tem direito, todos têm!!!
Nos últimos anos, diversas políticas públicas buscaram beneficiar a capoeira, particularmente ações do ministério da Cultura, como o Prêmio Yêh Viva Meu Mestre. Que ofereceu prêmios em dinheiro para os mais importantes mestres de capoeira, os mais antigos e com mais tempo em atividade; também surgiram ações do tipo o tombamento da capoeira como patrimônio imaterial do povo brasileiro; tanto quanto alguns programas que financiaram eventos de capoeira, o intercâmbio com países africanos e muitos outros.
- Estudos e Pesquisas – embora algumas pessoas possam discordar, minha opinião é de que estamos evoluindo no conhecimento cientifico e na produção de estudos, sejam acadêmicos ou da produção dos mestres e estudiosos independentes da capoeira tem aumentado em quantidade bastante relevante. Os mestres de capoeira têm produzido seus estudos e seus fundamentos de capoeira em publicações que explodem em grandes volumes a cada dia maior. Também encontramos muitos depoimentos e registros feitos em reportagens que se tornam esclarecedoras em registros de voz e vídeos gravados, que se tornam fontes de novos conhecimentos e que a cada dia mais e mais se somam aos conhecimentos dos capoeiristas.

Não se pode negar, no entanto, que a maior fonte de sabedoria da capoeira ainda seja a oralidade. Nem por isso deixa-se de valorizar as produções de mestres e professores, além de pesquisadores que nem mesmo são praticantes de capoeira, os quais são a cada dia mais e mais convidados para proferirem palestras e darem depoimentos presenciais, tornando-se parte da água de beber da capoeira, fonte de seus saberes. Conhecimentos de oitiva como dizia o Mestre Bimba...

quarta-feira, 22 de julho de 2015

A nova “água de beber” da capoeira

Os tempos atuais estão trazendo um novo e irremediável formato para a capoeira.
Trata-se, assim, de sua nova água de beber, no sentido que os capoeiristas sempre buscaram. Ou seja, as fontes de saber dos velhos mestres, dos registros em músicas, imagens, vídeos e, principalmente na tradição oral que permeia a capoeira de tanta informação, desde os tempos imemoráveis quanto mais, principalmente, nos tempos mais recentes, onde a dinâmica no contexto das sociedades se emoldura a cada dia mais e mais um novo tempo de saberes, entre os quais, inevitavelmente, se encontra a nossa dileta Arte, a Capoeira.
Este texto busca trazer uma simples visualização do novo contexto onde a capoeira se encontra, onde mesmo sem perceber a maioria dos capoeiristas está submetido, sendo essa reflexão descompromissada, uma proposta de sistematização dessa nova realidade.
Sou especialista em informação, enquanto ciência e conhecimento acadêmico, contando também com algumas décadas de atuação na pragmática profissão que lida com esse conhecimento, seja como analista de sistemas, consultor de processos de negócios, líder de projetos estratégicos de informação e, principalmente, como Arquiteto de Informação, uma das profissões mais recentes do mercado da informática e da estratégia de atuação das organizações de todo porte.
Também professor universitário, apresento abaixo a visão de uma Arquitetura da Informação atual da capoeira, arte na qual já transito há mais de 40 anos, como praticante, estudioso e mestre.

Portanto, apenas como contribuição para a compreensão do fenômeno denominado Capoeira, o qual alcança hoje praticamente o planeta inteiro, foi que desenvolvi esta figura abaixo, a qual irei explicar um pouco mais.

A capoeira e suas novas água-de-beber


A parte superior da figura, traz um conjunto das principais forças que interferem na capoeira, tornando-a um fenômeno dinâmico, onde nota-se claramente um diálogo entre a tradição e as inovações pelas quais a mesma vem passando a cada novo momento de nossa época, não por coincidência a Era da Informação, tanto quanto inserida no contexto de uma Sociedade do Conhecimento.
Essas forças, aqui eleitas como as mais importantes, podem ser até contestadas por algum outro estudioso ou qualquer capoeirista, pois não tem a pretensão de ser a verdade definitiva, mas somente oferecer um modelo que permita essa compreensão de maneira mais clara e mais estruturada.
São elas apresentadas na postagem seguinte.


CONTINUA na postagem do dia 27-julho-2015, deste blog.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Crítica ao livro do Mestre Umói



O livro de Umói
Memórias de um cidadão-capoeira
By Squisito
No meio de centena de milhares de carros que disputam um espaço no meio da tarde de nossa Capital Federal, a Brasília de nossas vidas comuns, de nosso começo, no início da estrada em que ele também viveu e representa no seu livro.
Os carros loucos buscam uma passagem, uma brecha por onde se jogar, por onde encaminhar sua vida, seus anseios e sua cavalgada, no trote dos minutos rápidos que passam sob a neblina desses passos que damos sem notar...
Ali exatamente eu começo a me lembrar do livro Capoeira, provocando a Discussão, que  meu amigo/irmão Mestre Umói,  de Souza, lançado recentemente na calma serrana de Sobradinho, quase no anonimato da vida oficial do planalto central do Brasil e que eu já tive o privilégio até mesmo de ler a versão pré formatada, antes de sair da gráfica e agora recebo o exemplar que me foi destinado por seus discípulos, dias após a sua impressão, já que ele se encontra na sua nova terra, nas proximidades de Dusseldorf, na Alemanha.
Nesse burburinho eu me lembro da importante verdade que podemos encontrar na capoeira e que Umói retrata no seu livro, de que nós somos embevecidos de uma calma privilegiada...  os capoeiristas são pessoas que conseguem ser tranqüilos, embora vivendo no meio de uma série de competições estereotipadas das cidades, da vida comum das pessoas,  onde se disputam coisas estranhas, escrotas, feias e sem brilho, transformando o ser humano num arquétipo de coisa nenhuma que povoa os lugares-comuns.
Essa calma nos permite sair pela vida de uma maneira própria, colecionando pérolas que a estrada oferece para quem está com tempo para tal, para quem se presta e se empresta a essa jornada sem volta da vida, essa coleção de momentos eternizados na memória poética que habita os capoeiras, são rodas, são canções, são amigos, são momentos, são viagens, são pétalas de energia que são recolhidas com a calma dos caçadores de vida, num planeta já quase sem...
Nessa estrada que vai para um lugar incerto, ele não quer chegar em lugar nenhum, ele é qualquer um, é um de nós, é um Capoeira, seu caminho não tem fronteira, nem balela, tem o espírito que anda, como meu personagem favorito da infância O Fantasma, da revista em quadrinho que lia e relia mil vezes. Pelo caminho, na calma ele vai entoando os seus versos de poeta e de capoeira, com seu berimbau, em cada página, recheadas de alegrias e de tristezas, de beleza, de vidas que preencheram a sua vida. Umói respira o que o vento lhe traz em cada passo, celebrações e momentos cruéis são apenas paisagens de um guerreiro que sai vadiando pela vida, e rir ou chorar é parte da história, não há tempo para pausar a caminhada. O berimbau recomeça a próxima roda e a vida continua consumada em mais uma ladainha.
Ele partilha sua história de modo generoso e grato por tudo. Ele é um irmão de todos. É um de nós, como disse. De nosso mundo, valoriza as suas origens, sua história, sua cidade, seus amigos, seu povo, sua terra e seu bairro. É um exemplo da mais pura expressão de amor por tudo que se tem desse mundo e que brota no coração de quem ama o que faz.
Egoísmo meu me sentir na história dele, na história da capoeira de Sobradinho, mas enquanto ele estava dando seus primeiros passos na Arte da Capoeira, eu também o fazia, somos contemporâneos do mesmo ano de 1974. Ele em Sobrado e eu no Plano Piloto, além de minhas próprias questões de órfão de mãe e pai, chegado a pouco do Rio de Janeiro onde aprendi bastante coisa, quando sai do interior de Minas e de lá pra Capital Federal, enfrentava o estranho vazio de povo, do que a vida de Umói era plena. Muito mais tarde eu descobri, quando fui para Fortaleza-CE, que a capoeira vem do povo, é dele, e não existe história verdadeira que não passe pelas aventuras e desventuras de um cidadão comum que virou capoeira.
No Plano as coisas ainda eram mornas para mim, só haviam as aulas e os eventos, não tinha a convivência de perto, do dia-dia com os camaradas da Academia. Local sagrado de conviver com bambas, mas ao sair porta afora a vida era outra, de trabalhador aprendiz da vida, as vezes a noite, mas sempre conciliando os deveres e a Academia Tabosa, a maior da cidade. Algum tempo depois, passados muitos anos, conheci Umói, já corda vermelha, por isso fui muitas vezes nos treinos no Bumba, nas rodas de sábado ou domingo. O lugar próximo a uma mata fechada era um convite para ir beber daquele axé maravilhoso, onde todos riam e brincavam de forma harmônica... Era maravilhoso ir lá, na Roda do União, rever e curtir pessoas como o Jeová, o Mariô, figura ímpar, única, eternamente ele só, na história de qualquer pessoa que o conheça.
A vida seguia em frente. Exatamente como conta o Mestre Umói. Os movimentos na Capital Federal eram cada vez mais intensos e os novos tempos acabaram por unir mais e mais a galera da periferia – no caso do DF, as cidades-satélites – aos capoeiras do Plano, forma resumida com que se entendia o Centro da Capital da República.
Umói foi generoso também nisso. Compartilhou sua História com os daqui do Plano e de outras cidades-satélites, como ele frisa quando destaca sua admiração por capoeiristas que conviveu nos seus anos de aprendizado e de caminhada pelas estradas da Capoeira.
Depois dessa fase tão rica e envolvente, ele entra na difícil seara das verdades e inverdades, conversas fiadas, conversas sérias, parâmetros de autonomia dos grupos, esse modismo estranho que tenta pasteurizar a capoeira...
Umói debate e se debate com a falta de personalidade que assola os grupos de capoeira.
Ele desconfia de determinados modismos e das ideias que tenta definir os rumos da capoeira de acordo com os estereótipos e as verdades universais que as vezes se encontram nas práticas da capoeira.
Mais ainda, debate a questão internacional que envolve a capoeira na Europa, onde a cerca de 20 anos ele vive e professa sua arte.
Ele lembra certas premissas e condições inerentes ao aprendizado da capoeira, o idioma por traz e por dentro dessa arte. O aprendizado cultural brasileiro implícito na sua linguagem e todo desafio envolvido para que um estrangeiro se torne mestre da capoeira.
O seu debate vai bem longe. Vive dentro dessa questão. Conhece de perto em anos de convivência.
Alguém pode até discordar de sua visão, mas nunca lhe negar a fala, a reflexão e deixar de levar em consideração suas questões. Ele sabe o que fala e o que pensa!
Umói demonstra sua indignação sem meias palavras. Tem sua tranquilidade em afirmar o que discorda e o que vê de deformação na capoeira. Tem a capacidade de transcrever com clareza sua percepção das questões da arte.
É um Mestre de Capoeira. Tem todo o direito de se manifestar.
Tem trabalho. Tem estrada. Tem credibilidade. Tem carisma. Tem as palavras que lhe saem mais do coração do que da mente!
Depois de todo esse trabalho, Umói ainda nos brinda com um interessante conto de capoeira, onde, aí sim, ele brilha mais ainda na sua maneira de lidar com a capoeira, colocando-a e aos capoeiristas do enredo, no centro motor de toda uma trama, competente e criativa, que revela ainda mais sua alma-capoeira!