sábado, 29 de agosto de 2015

Capoeira, Mãe Generosa!


Imagem - fonte: www.genius.com 



Mãe Africa engravidou em Angola
Partiu de Luanda e de Benguela
Chegou e pariu a Capoeira
No chão do Brasil verde-amarela!
(Paulo César Pinheiro)



Todo capoeirista sempre diz: "a Capoeira me deu muita coisa!"
Mas até onde vai essa afirmação? De onde vem essa crença ou essa verdade?
Ora pois-pois, diriam os portugueses: é quase óbvio isso!!
As formas com que sentimos a generosidade da capoeira é extensiva!
Desde os primeiros contatos, um iniciante já se sente impulsionado por um magnetismo irresistível!
Alguns fogem de restrições dos pais e vão de maneira oculta para os treinos.
Outros tem que se desdobrar para se livrar de outros compromissos ou simplesmente conciliar seus afazeres com a prática da capoeira.

Mesmo depois de anos praticando capoeira e já formado, somos movidos por um comichão de prazer e de incitação que nos arrasta para nossos treinamentos e, principalmente, para as rodas de capoeira.

Ela produz em nós, capoeiristas e mesmo alguém que simplesmente assista uma roda ou um bom treino, um tipo de endorfina! Um prazer que não é só o mesmo que todas as atividades físicas possam produzir. Tem algo mais.

Esse algo mais é espírito libertário que libera nossas amarras e nos faz voar em nossa imaginação e emoções...

A música - principalmente a de raiz, tocada e cantada de forma ritual e com o respeito as ancestralidades nela contidas - é de uma força e energias tão intensas que ninguem fica impune!

Já tive oportunidade de conversar e ser entrevistado por uma pesquisadora de uma universidade francesa, L'Ecole de France, que estudava a música e os aspectos terapêuticos dela, onde a mesma buscava a dimensão em que a música pode alterar nossos estados de consciência e, para estudo de caso, ela decidiu estudar a musicalidade da capoeira. Ficou extasiada com o que conheceu!

Infelizmente no Brasil ainda não tivemos estudos dessa natureza, já que ajudariam a tirar o carma da discriminação que sempre rondou a capoeira e a nossa cultura popular em geral. Reconheço que não posso comprovar que esses estudos não existam. Apenas afirmo que não os conheço!

De onde, afinal, vem essa tão importante energia e essa fonte de prazer que parece inesgotável?

Vem, como tantas outras, de nosso Continente Africano. Ninguém duvida!!

Essa mesme energia nos torna o que somos: um povo distinto em sua índole que, embora pobre materialmente e infestado de tanta moléstia de caráter (provavelmente importada da influência branca, européia e ocidental, de onde vem toda a lógica da competição, da ambição e de todos os pecados capitais!), nosso povo é rico de festass, de amor e de alegrias em tantas embalagens!

E a capoeira é onde deságuam tantas fontes dessa alegria, dessa felicidade de existir, dessa explosão constante de catarzes coletivas, onde a amizade permeia e a harmonia percorre os mais remotos sítios humanos de todas as línguas.

Sempre temos onde menos se espera um coletivo de pessoas se entendendo na linguagem da capoeira.

Essa generosa expansão nunca teve fim.

O Mestre Pastinha, já dizia: o seu fim é inconcebível ao mais sábio dos Mestres! se referindo à uma possível fronteira onda a Capoeira poderia chegar...


TIPOLOGIAS DE RELAÇÕES COM A CAPOEIRA (por enquanto!)

Cada um de nós consegue enxergar a capoeira até onde nossa competência e conhecimento permite. Mas os diversos estilos de capoeira não podem ser contidos em definições simplistas!
Quem tiver essa intenção vai ter um grande desafio.

Antes e principalmente os capoeiristas se agrupam nas práticas corporais da capoeira.

Essa linha de exploração de seu potencial foi sempre um dos mais populares. Mas é só uma delas.

Tem uma vertente cultural forte e extensa dentro da capoeira: sua música, teatro, shows (de teatro e de rua), instrumentação (temos capoeiristas que se tornaram grandes músicos, inclusive em Brasília), criação musical, a construção de instrumentos como atabaques, pandeiros, agogôs, reco-recos, etc.

Outras formas de relacionamento dos capoeiristas com sua arte envolvem a produção de eventos. Isso envolve uma dimensão da produção de projetos, de peças de divulgação como cartazes, vinhetas para rádios e tv, negociação com patrocinadores e órgãos governamentais, pais e comunidade.

Mas não para aí! A capoeira tem uma linha de pesquisa que a explora em diversas disciplinas, em todos os níveis da educação, desde livros para crianças, revistas, dicionários, até contos e romances capoeirísticos, chegando-se a universidades onde se pesquisa a capoeira em Antropologia, História, Política, Sociologia, Arte, Música, Matemática (acredite!!) e muitos outros.

Em outra perspectiva, encontramos a relação institucional. A parte burocrática dos grupos, de federações, confederações, ligas, programas em rádio, televisão e internet.

Estou apenas ilustrando isso!!

QUANDO A MÃE CAPOEIRA FICA BRAVA!


A capoeira, como toda e qualquer outra atividade humana, traz espaço para a dissonância.

Algumas pessoas sentem a força da capoeira pulsando em suas veias e resolve tornar isso um mecanismo de promoção pessoal. Fica magnetizado pelo poder que ela lhe traz. Aí isso vira uma patologia social.

Outra forma de dissonância é a exacerbação do EGO. Essa coisa estranha que afeta o ser humano quase que inevitavelmente... a questão é quando isso vira uma patologia descontrolada.

Ver artigo sobre o EGO neste blog no link abaixo:
Ego na Capoeira - ego, esse miserável!!!

Outra patologia que estamos enfrentando neste momento em grande intensidade é a tentativa de manipular a capoeira em benefício próprio, institucionalmente!!!

Essa veia patológica é uma perigosa tentativa de se criar mecanismos de apropriação da capoeira, seja por meio de uma exploração comercial despudorada, seja pela tentativa de usurpação da arte, como uma espécie de federacionismo compulsório. Que tenta obrigar as pessoas a se filiarem a entidades federalizadas que se incluem burocraticamente no sistema desportivo nacional e internacional e busca, como está acontecendo agora, com a tentativa de aprovar leis que nos subjugariam a essas entidades nefastas, normalmente desorganizadas, corrompidas em suas estruturas, cheias de conflitos internos e disputas sem a menor ética entre os líderes!

A essas patologias todas sofrem uma reação muito forte contra ela, que brota dos terreiros da capoeira de forma espontânea e informalmente organizada, criando nos capoeiristas uma rejeição sem trégua!

Os que tentam essa forma de usar a capoeira, sofrem na pele a consequência de suas ações, afinal, todos nós capoeirista sabemos:

A capoeira te dá muito, mas ela cobra de volta...

De volta ela quer sua dignidade... sua moral... seu respeito às suas raízes... seu respeito à ancestralidade...

Sem isso, somos capoeiras incompletos!

Sem humildade, somos apenas seres humanos em um processo de aprendizado, sem querer aprender!!

Yêh, vamu s'imbora, camará!!!

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Ser um capoeirista eficiente, ou ser eficaz...?

É comum vermos capoeiristas empolgados com sua competencia. com sua performance, ou menos com o respeito que despertam em outras pessoas.
Alguns se tornam até petulantes na sua exacerbação egóica e perdem completamente a humildade, pelo simples fato de se sentirem o máximo, o melhor dos melhores...
Esse é um sintoma, na verdade, de uma fraqueza de caráter ou de autocrítica mínima.
Esses atletas capoeiristas são muitas vezes muito bem treinados, e além da capoeira são também lutadores de outras artes, são fortes e possuem uma estrutura física privilegiada.
Nada errado, quanto ao sentimento de auto-estima ser logo manifesto nos praticantes dessa Arte Secular, que hoje já acumula uma sabedoria e uma técnica bastante complexa, bastante sofisticada, no sentido mais amplo de conhecimentos marciais, desportivos, atléticos. Uma cultura bastante sedimentada como conhecimento popular, da qual nenhum lutador de nenhum estilo pode ou deveria subestimar.
A Capoeira é ímpar. É múltipla. Cada um desenvolve com seu proprio corpo suas habilidades e competências, o que torna cada jogador, cada indivíduo, tem um estílo único, adequado ao seu biotipo, desenvolve a sua técnica baseada na linhagem que aprende. Cada linhagem tem sua origem em tempos remotos. É uma cultura cumulativa. É um conhecimento cada vez incorporado ao que já existia.
Enfim, pode-se dizer que um capoeirista é a soma de toda a história de sua linhagem de aprendizado.
Resta saber se ele faz as escolhas certas com sua postura, com o caráter que assume, enquanto praticante e representante de sua escola.

O ESTILO E A ÍNDOLE

Uma coisa é o estilo pessoal. A outra é a índole.
Uma pode ser totalmente legítima. A outra pode ser aceita ou não. Depende do grau de respeito que sua índole tem para o com os demais praticantes de sua arte.
Vi diversas modalidades dessa índole se manifestar, entre elas, na indiferença ao que parece não ser digno de respeito.
Até mesmo num certo grau de fria avaliação: esse é sarobeiro...! (que parece significar alguem sem valor, de um jogo tosco, que não merece nenhum respeito!!)
Esse julgamento, desrepeitoso, é um sintoma de um capoeirista presunçoso que já de cara se julga melhor que os outros.
Eles podem até ser bons jogadores, mas certamente não serão bons capoeiras!

Esse o nosso problema. Ser eficiente em um jogo, ou ser um capoeirista que sabe gingar com as diferenças pela vida toda!

O quadro abaixo representa uma comparação entre os dois aspectos do crescimento de um praticante de capoeira.


Essa breve tabela oferece uma visão do que seria um projeto a curto prazo de um capoeirista, ou um capoeirista maduro que sabe a diferença entre o imediato e o duradouro...

Esse é o grande conflito entre a eficiência e a eficácia, na vida de um Capoeira!


domingo, 9 de agosto de 2015

Regulamentação da Capoeira: queremos? Precisamos...!?



Produto de uma história de lutas, no Brasil Colônia a capoeira tem sua gênese no seio da escravidão e contra ela estabelece sua primeira batalha. Batalha de vida ou de morte, de liberdade ou prisão e a perda da dignidade mínima que pudesse almejar um ser-humano.
Mais tarde, já na República, a capoeira continua sua saga pela emancipação de seus adeptos, convertendo-se em uma grande e incômoda ameaça à hegemonia dos patrões, poderosos e, principalmente, para a polícia, pois a mesma muitas vezes foi humilhada pela competência combativa dos capoeiristas.
Novos tempos surgem e a luta pela cidadania nunca abandona a capoeira. Decretos e leis são forjadas, até mesmo o código penal republicano trata a capoeira ainda como crime, embora tenha havido a abolição da escravatura, na prática a africanidade da capoeira ainda era, juntamente com os seus praticantes, considerados foras-da-lei pela instituição da República.  
Essa trajetória transformou a capoeira numa prática banida, tanto socialmente quanto das políticas públicas e só era referida por elas pelo seu aspecto criminal.
Getúlio Vargas se interessa pela capoeira e a torna uma “luta brasileira”, além de sacá-la do Código Penal, descriminalizando-a e a liberando das amarras legais, naturalmente como parte de seu populismo nacionalista.
Nada disso a fez tornar-se mais respeitada social ou politicamente.
Assim, nossa cultura transforma-se numa prática cheia de subterfúgios e de segredos, tornando-se uma arte que se desenvolve às margens do sistema oficial em geral. O conhecimento da capoeira se acumulou, de mestre a mestre, suas técnicas evoluíram e se tornou uma arte-marcial completa, além de seu caráter educativo, sua extensão de cultura afro-brasileira se enriqueceu; suas tradições se acumularam e se espalharam.
Um razoável movimento desportivo surge e cresce com a expansão da capoeira.
A Capoeira se tornou uma pratica irreversível em praticamente todo o território nacional e, rapidamente, chega ao exterior e se espalha pelos quatro cantos do planeta.
Ascende até aos octógonos e ringues que tanto interesse desperta à mídia mundial. O modismo das lutas de MMA a traz para o palco dessas competições.
Essa prática extensiva da capoeira se torna um processo de acumulação, cada vez maior, de conhecimentos, pesquisas, estudos; surgem as organizações da capoeira, primeiramente os grupos, depois federações, confederações, ligas, institutos, associações e centros de estudos. A Capoeira se expande em níveis exponenciais, tornando o seu saber algo intangível, praticamente impossível de uma única pessoa deter todo o seu manancial de conhecimentos.
As políticas públicas nunca sempre foram de natureza efêmera e discretas. Nunca o poder público fez algo realmente sólido e que fizesse alguma diferença para os capoeiristas, a não ser para alguns privilegiados que foram apadrinhados por setores da esfera pública.
Já na era do governo Lula, algumas ações emergem novas tratativas com a capoeira e seu significado público, social e político. Alguns programas do MINC impulsionaram breves, mas consistentes incentivos à capoeira, como o reconhecimento dos mestres consagrados, o tombamento como patrimônio imaterial do povo brasileiro, alguns financiamentos de projetos visando a produção de eventos e a construção/organização de acervos.
Na verdade, poucas foram as políticas públicas que fizeram realmente diferença para a capoeira ou os capoeiristas.
A organização da capoeira e dos seus meios de sobrevivência e difusão nunca deveram nada a ações oficiais. Sempre partiu da iniciativa independente dos próprios praticantes e dos mestres da arte.
Hoje a capoeira está diante de uma nova forma de pressão e de ameaça: alguns pseudo-capoeiristas se instalaram nos partidos aliados do governo petista e se articulam de forma persistente na tentativa de criar e aprovar leis que fixem regulamentos e regras para, conforme apregoam, profissionalizar a capoeira.
A desconfiança de grande parte dos capoeiristas foi crescendo e continua a se verificar.
O que se percebe é que por traz de todo o movimento que busca essa tal regulamentação são verbas públicas, algumas das quais de expressivo vulto, como os incentivos derivados dos jogos de loteria, alguns milhões de reais, que despertam, ao que acreditam grande parte dos capoeiristas, a grande euforia e repentina tentativa de criar estruturas de representação para a capoeira que a maioria dos capoeiristas discordam, ou desconhecem.
Leis evasivas e sem sentido foram apresentadas, como o famigerado PL 31/2009, do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que propôs a estranha profissionalização do jogador de capoeira, algo que não faz o menor sentido, pois ninguém é contratado ou exerce uma profissão de jogador de capoeira.
Mais estranho ainda se tornou o surgimento de um novo texto – no Congresso denominado “Substitutivo” àquele PL 31 que, aí sim, revela a verdadeira intenção da dita Regulamentação, criando uma Entidade Nacional de Capoeira, a qual se torna a gestora do Fundo Nacional da Capoeira, formado com as verbas públicas das loterias. Esse substitutivo é a parte mais polêmica do processo, pois fica clara a verdadeira intenção dos cartolas da capoeira, ou seja, tornar-se a autoridade máxima de uma cultura hoje totalmente independente.
Os papéis profissionais dos capoeiristas, são o ensino, a organização de evento, a coordenação / gestão institucional, a pesquisa; a produção de artefatos e instrumentos; a produção cultural de peças, apresentações e shows; além, também, da existência ainda isolada de movimentos de competições e campeonatos, ainda inexpressivos, diante de um enorme volume de outras formas de manifestação dessa arte centenária.
Os capoeiristas não confiam nas instituições que tentam representar sua arte, pois sempre se viram traídos em seu desejo de independência e na sua necessidade de liberada, toda vez que algum projeto de natureza legal tramita no legislativo brasileiro.
Se outros setores da população não confiam nessas estruturas, muito menos os capoeiristas que sempre foram ameaçados pela forma como o poder público a tratou.