domingo, 9 de agosto de 2015

Regulamentação da Capoeira: queremos? Precisamos...!?



Produto de uma história de lutas, no Brasil Colônia a capoeira tem sua gênese no seio da escravidão e contra ela estabelece sua primeira batalha. Batalha de vida ou de morte, de liberdade ou prisão e a perda da dignidade mínima que pudesse almejar um ser-humano.
Mais tarde, já na República, a capoeira continua sua saga pela emancipação de seus adeptos, convertendo-se em uma grande e incômoda ameaça à hegemonia dos patrões, poderosos e, principalmente, para a polícia, pois a mesma muitas vezes foi humilhada pela competência combativa dos capoeiristas.
Novos tempos surgem e a luta pela cidadania nunca abandona a capoeira. Decretos e leis são forjadas, até mesmo o código penal republicano trata a capoeira ainda como crime, embora tenha havido a abolição da escravatura, na prática a africanidade da capoeira ainda era, juntamente com os seus praticantes, considerados foras-da-lei pela instituição da República.  
Essa trajetória transformou a capoeira numa prática banida, tanto socialmente quanto das políticas públicas e só era referida por elas pelo seu aspecto criminal.
Getúlio Vargas se interessa pela capoeira e a torna uma “luta brasileira”, além de sacá-la do Código Penal, descriminalizando-a e a liberando das amarras legais, naturalmente como parte de seu populismo nacionalista.
Nada disso a fez tornar-se mais respeitada social ou politicamente.
Assim, nossa cultura transforma-se numa prática cheia de subterfúgios e de segredos, tornando-se uma arte que se desenvolve às margens do sistema oficial em geral. O conhecimento da capoeira se acumulou, de mestre a mestre, suas técnicas evoluíram e se tornou uma arte-marcial completa, além de seu caráter educativo, sua extensão de cultura afro-brasileira se enriqueceu; suas tradições se acumularam e se espalharam.
Um razoável movimento desportivo surge e cresce com a expansão da capoeira.
A Capoeira se tornou uma pratica irreversível em praticamente todo o território nacional e, rapidamente, chega ao exterior e se espalha pelos quatro cantos do planeta.
Ascende até aos octógonos e ringues que tanto interesse desperta à mídia mundial. O modismo das lutas de MMA a traz para o palco dessas competições.
Essa prática extensiva da capoeira se torna um processo de acumulação, cada vez maior, de conhecimentos, pesquisas, estudos; surgem as organizações da capoeira, primeiramente os grupos, depois federações, confederações, ligas, institutos, associações e centros de estudos. A Capoeira se expande em níveis exponenciais, tornando o seu saber algo intangível, praticamente impossível de uma única pessoa deter todo o seu manancial de conhecimentos.
As políticas públicas nunca sempre foram de natureza efêmera e discretas. Nunca o poder público fez algo realmente sólido e que fizesse alguma diferença para os capoeiristas, a não ser para alguns privilegiados que foram apadrinhados por setores da esfera pública.
Já na era do governo Lula, algumas ações emergem novas tratativas com a capoeira e seu significado público, social e político. Alguns programas do MINC impulsionaram breves, mas consistentes incentivos à capoeira, como o reconhecimento dos mestres consagrados, o tombamento como patrimônio imaterial do povo brasileiro, alguns financiamentos de projetos visando a produção de eventos e a construção/organização de acervos.
Na verdade, poucas foram as políticas públicas que fizeram realmente diferença para a capoeira ou os capoeiristas.
A organização da capoeira e dos seus meios de sobrevivência e difusão nunca deveram nada a ações oficiais. Sempre partiu da iniciativa independente dos próprios praticantes e dos mestres da arte.
Hoje a capoeira está diante de uma nova forma de pressão e de ameaça: alguns pseudo-capoeiristas se instalaram nos partidos aliados do governo petista e se articulam de forma persistente na tentativa de criar e aprovar leis que fixem regulamentos e regras para, conforme apregoam, profissionalizar a capoeira.
A desconfiança de grande parte dos capoeiristas foi crescendo e continua a se verificar.
O que se percebe é que por traz de todo o movimento que busca essa tal regulamentação são verbas públicas, algumas das quais de expressivo vulto, como os incentivos derivados dos jogos de loteria, alguns milhões de reais, que despertam, ao que acreditam grande parte dos capoeiristas, a grande euforia e repentina tentativa de criar estruturas de representação para a capoeira que a maioria dos capoeiristas discordam, ou desconhecem.
Leis evasivas e sem sentido foram apresentadas, como o famigerado PL 31/2009, do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que propôs a estranha profissionalização do jogador de capoeira, algo que não faz o menor sentido, pois ninguém é contratado ou exerce uma profissão de jogador de capoeira.
Mais estranho ainda se tornou o surgimento de um novo texto – no Congresso denominado “Substitutivo” àquele PL 31 que, aí sim, revela a verdadeira intenção da dita Regulamentação, criando uma Entidade Nacional de Capoeira, a qual se torna a gestora do Fundo Nacional da Capoeira, formado com as verbas públicas das loterias. Esse substitutivo é a parte mais polêmica do processo, pois fica clara a verdadeira intenção dos cartolas da capoeira, ou seja, tornar-se a autoridade máxima de uma cultura hoje totalmente independente.
Os papéis profissionais dos capoeiristas, são o ensino, a organização de evento, a coordenação / gestão institucional, a pesquisa; a produção de artefatos e instrumentos; a produção cultural de peças, apresentações e shows; além, também, da existência ainda isolada de movimentos de competições e campeonatos, ainda inexpressivos, diante de um enorme volume de outras formas de manifestação dessa arte centenária.
Os capoeiristas não confiam nas instituições que tentam representar sua arte, pois sempre se viram traídos em seu desejo de independência e na sua necessidade de liberada, toda vez que algum projeto de natureza legal tramita no legislativo brasileiro.
Se outros setores da população não confiam nessas estruturas, muito menos os capoeiristas que sempre foram ameaçados pela forma como o poder público a tratou.


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