Produto de uma história de lutas, no Brasil Colônia a
capoeira tem sua gênese no seio da escravidão e contra ela estabelece sua
primeira batalha. Batalha de vida ou de morte, de liberdade ou prisão e a perda
da dignidade mínima que pudesse almejar um ser-humano.
Mais tarde, já na República, a capoeira continua sua saga
pela emancipação de seus adeptos, convertendo-se em uma grande e incômoda
ameaça à hegemonia dos patrões, poderosos e, principalmente, para a polícia,
pois a mesma muitas vezes foi humilhada pela competência combativa dos
capoeiristas.
Novos tempos surgem e a luta pela cidadania nunca abandona a
capoeira. Decretos e leis são forjadas, até mesmo o código penal republicano trata
a capoeira ainda como crime, embora tenha havido a abolição da escravatura, na
prática a africanidade da capoeira ainda era, juntamente com os seus
praticantes, considerados foras-da-lei pela instituição da República.
Essa trajetória transformou a capoeira numa prática banida,
tanto socialmente quanto das políticas públicas e só era referida por elas pelo
seu aspecto criminal.
Getúlio Vargas se interessa pela capoeira e a torna uma
“luta brasileira”, além de sacá-la do Código Penal, descriminalizando-a e a
liberando das amarras legais, naturalmente como parte de seu populismo
nacionalista.
Nada disso a fez tornar-se mais respeitada social ou
politicamente.
Assim, nossa cultura transforma-se numa prática cheia de
subterfúgios e de segredos, tornando-se uma arte que se desenvolve às margens
do sistema oficial em geral. O conhecimento da capoeira se acumulou, de mestre
a mestre, suas técnicas evoluíram e se tornou uma arte-marcial completa, além
de seu caráter educativo, sua extensão de cultura afro-brasileira se
enriqueceu; suas tradições se acumularam e se espalharam.
Um razoável movimento desportivo surge e cresce com a
expansão da capoeira.
A Capoeira se tornou uma pratica irreversível em
praticamente todo o território nacional e, rapidamente, chega ao exterior e se
espalha pelos quatro cantos do planeta.
Ascende até aos octógonos e ringues que tanto interesse
desperta à mídia mundial. O modismo das lutas de MMA a traz para o palco dessas
competições.
Essa prática extensiva da capoeira se torna um processo de
acumulação, cada vez maior, de conhecimentos, pesquisas, estudos; surgem as
organizações da capoeira, primeiramente os grupos,
depois federações, confederações, ligas, institutos, associações e centros
de estudos. A Capoeira se expande em níveis exponenciais, tornando o seu saber
algo intangível, praticamente impossível de uma única pessoa deter todo o seu
manancial de conhecimentos.
As políticas públicas nunca sempre foram de natureza efêmera
e discretas. Nunca o poder público fez algo realmente sólido e que fizesse alguma
diferença para os capoeiristas, a não ser para alguns privilegiados que foram
apadrinhados por setores da esfera pública.
Já na era do governo Lula, algumas ações emergem novas
tratativas com a capoeira e seu significado público, social e político. Alguns
programas do MINC impulsionaram breves, mas consistentes incentivos à capoeira,
como o reconhecimento dos mestres consagrados, o tombamento como patrimônio
imaterial do povo brasileiro, alguns financiamentos de projetos visando a
produção de eventos e a construção/organização de acervos.
Na verdade, poucas foram as políticas públicas que fizeram
realmente diferença para a capoeira ou os capoeiristas.
A organização da capoeira e dos seus meios de sobrevivência
e difusão nunca deveram nada a ações oficiais. Sempre partiu da iniciativa
independente dos próprios praticantes e dos mestres da arte.
Hoje a capoeira está diante de uma nova forma de pressão e
de ameaça: alguns pseudo-capoeiristas se instalaram nos partidos aliados do
governo petista e se articulam de forma persistente na tentativa de criar e
aprovar leis que fixem regulamentos e regras para, conforme apregoam, profissionalizar a capoeira.
A desconfiança de grande parte dos capoeiristas foi
crescendo e continua a se verificar.
O que se percebe é que por traz de todo o movimento que
busca essa tal regulamentação são
verbas públicas, algumas das quais de expressivo vulto, como os incentivos
derivados dos jogos de loteria, alguns milhões de reais, que despertam, ao que
acreditam grande parte dos capoeiristas, a grande euforia e repentina tentativa
de criar estruturas de representação para a capoeira que a maioria dos
capoeiristas discordam, ou desconhecem.
Leis evasivas e sem sentido foram apresentadas, como o
famigerado PL 31/2009, do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que propôs a estranha profissionalização do jogador de capoeira, algo
que não faz o menor sentido, pois ninguém é contratado ou exerce uma profissão
de jogador de capoeira.
Mais estranho ainda se tornou o surgimento de um novo texto
– no Congresso denominado “Substitutivo” àquele PL 31 que, aí sim, revela a
verdadeira intenção da dita Regulamentação, criando uma Entidade Nacional de
Capoeira, a qual se torna a gestora do
Fundo Nacional da Capoeira, formado com as verbas públicas das loterias. Esse
substitutivo é a parte mais polêmica do processo, pois fica clara a verdadeira
intenção dos cartolas da capoeira, ou seja, tornar-se a autoridade máxima de
uma cultura hoje totalmente independente.
Os papéis profissionais dos capoeiristas, são o ensino, a
organização de evento, a coordenação / gestão institucional, a pesquisa; a
produção de artefatos e instrumentos; a produção cultural de peças,
apresentações e shows; além, também, da existência ainda isolada de movimentos
de competições e campeonatos, ainda inexpressivos, diante de um enorme volume
de outras formas de manifestação dessa arte centenária.
Os capoeiristas não confiam nas instituições que tentam
representar sua arte, pois sempre se viram traídos em seu desejo de
independência e na sua necessidade de liberada, toda vez que algum projeto de
natureza legal tramita no legislativo brasileiro.
Se outros setores da população não confiam nessas
estruturas, muito menos os capoeiristas que sempre foram ameaçados pela forma
como o poder público a tratou.
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